Foi num fim de tarde destes que, depois do trabalho, saímos para pescar as novidades e tomar um café numa livraria daqui de Brasília, perto de casa. Tino, sempre voraz devorador, escolheu alguns livros e foi me encontrar no café. Chegou com uma cara estranha dizendo que, depois de uma rápida olhada, não tinha entendido a mensagem de um livro. Intrigado, me passou RÃ (textos e ilustrações de María Paula Bolaños, com tradução de Léo Cunha, editora Record). Eu estava justamente montando uma oficina com livros sobre sapos para o curso com os professores e aquele exemplar me agradou pelo tema e me intrigou pela dúvida surgida da leitura do meu sapo-príncipe-cearense. Tomei um gole do café e li o livro em silêncio sob o olhar ainda mais silencioso do Tino. Um olhar que se arregalou ao notar um leve riso no meu rosto. A história é fantástica. Mesmo assim, o livro passa anonimamente escondido num cantinho da estante de algumas livrarias.
O que eu vi de mais? Bem, primeiro, você economiza na aquisição: são duas histórias que correm paralelamente página à página num mesmo livro. Guardada as devidas proporções, é como se Quentin Tarantino passasse para a linguagem da literatura infantil os enredos paralelos do filme Pulp Fiction. O melhor: isto está nas entrelinhas. O livro não oferece resenhas. Está lá, nu e cru. O texto conta uma história, as ilustrações, outra. No primeiro, uma mãe sai com seu filho para um passeio no shopping. No outro, uma rã é capturada e posta à venda num pet shop. Ali, texto e imagem se encontram pela primeira vez. Neste momento a criança pede a mãe para comprar uma rã. Ela não compra. Tristeza... A rã também segue triste a sua saga. Encontram-se pela segunda vez numa sacada genial entre saltos do animal e um insistente “por favor” da criança. O texto leva mãe e filho para casa. Banho, tarefa, dever de casa, quarto... hora de dormir. Enquanto isso, a rã também enfrenta suas agruras. Ao final, o terceiro encontro entre as histórias paralelas. E não adianta perguntar. Não vou estragar a surpresa. O livro tem um projeto gráfico bem cuidado em tons esverdeados. A autora colombiana ilustra também com as palavras. A fala do menino e a rã ilustrada unem-se na narrativa sob um verde claríssimo, quase creme. A mãe (suas palavras) ganha uma cor quase acinzentada que combina com suas ordens e negativas. Fechei o livro e pedi para o Tino dar uma olhada melhor. Dei umas pistas... ele soltou um palavrão elefântico (êêêêêê Sylvia Orthof), terminou o café e trouxe o RÃ para casa. E nem pediu porf... porf... porf... porf... por favor. Pôs o livro na sacola e saiu saltitante em direção ao estacionamento. Hatuna Matata!!!
P.S. O professor-poeta-escritor Bartolomeu Campos de Queiroz afirma que a leitura se faz do encontro do livro com o leitor. É um terceiro elemento. Mutável. Essa leitura pode ser diferente mesmo que o livro seja o mesmo. É que o leitor pode ter adquirido novas visões que daria àquela informação uma roupa diferente da primeira leitura. É o poder da fantasia de cada um que vai de encontro com o que o autor imprimiu no papel. Por isso, descobri duas histórias no livro acima. Talvez você ache quatro. Num primeiro momento, o Tino não viu história alguma. Logo depois, sua leitura mudou. Hoje, ele diz que o RÃ carrega em seus verdes segredos três histórias!!! Essa é a mágica do encontro entre o livro e o leitor. É isso! Agora vou brincar mais um pouco de fazer mágicas com a fantasia!
3 comentários:
Sem palavras... o que eu vou dizer pra vocês meu Deus?! Qualquer coisa que eu disser aqui vai ficar tão pequenininho perto da grandiosidade de vocês, da luta pela causa da leitura... Como me comoveram suas histórias, como me comoveu o envolvimento da Mariana Massarani da qual sou fã e responsável direta por ter encontrado o blog de vocês, já que o endereço estava no "muitos desenhos"... Parabéns, esse ilustre-ilustrador-desconhecido será frequentador assíduo dessas páginas e espero que vocês também visitem meu blog, será um prazer. Quando tiverem um tempinho eu estarei lá: http://variosriscos.blogspot.com/ .Aguardo a visita de vocês e obrigado pelo show de humanidade que me proporcionaram nesta página.
Adorei as fotos de vocês na lateral!
Boas demais!!!! : )
Adorei sua viagem pelas linhas e entrelinhas e cores da Rã.
Foi um prazer traduzir este livro e estou feliz de ver que as pessoas estão descobrindo esta pequena pérola minimalista da literatura infantil.
Abraços,Leo Cunha
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