terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Água numa taça de cristal

O ano acordou quente em Brasília. Pelo menos para mim. Quente e preguiçoso. Uma sede danada. Não era ressaca do reveillon. Era calor, mesmo. Nada de interessante na TV. Nenhuma disposição para sair de casa. Resolvi apostar numa boa leitura. Dois livros da Lucia Hiratsuka estavam sobre a pilha de livros ao lado da estante: HISTÓRIAS TECIDAS EM SEDA (Cortez) e HISTÓRIAS DE MUKASHI (Elementar). Eles me dariam as boas vindas ao universo da literatura infantil em 2008. E assim foi.

Eu e Ana Paula conhecemos Lucia em São Paulo no primeiro dia do Seminário Prazer em Ler em agosto de 2007. Ela estava ao lado de Peter O’Sage e Renata Nakano. Coincidentemente, sentamo-nos juntos. Dela eu só conhecia a versão para Urashima Taro e havíamos visto o Histórias de Muiashi numa livraria e namoramos sua belíssima capa e ilustrações. Ela é um doce. Olhar atencioso ao fã insistente e sorriso desarmado na roda de amigos. Guarda o talento sob o corpo pequeno, esguio, tradicionalmente oriental. Mas, por suas ilustrações, imaginamos que se agiganta no estúdio como se um dragão marinho (um ryu) se apoderasse dos pincéis e das palavras.

Em Histórias Tecidas em Seda, Lúcia selecionou três contos que têm o fino tecido como elemento. Hachikazuki conta sobre uma menina princesa que recebe um estranho presente no leito de morte de sua mãe. Tanabata é a lenda oriental sobre uma história de amor entre um homem e um ser encantado que é imortalizada numa festa tradicional que acontece até hoje, no mês de julho, chamada Festival das Estrelas. O Pássaro Poente revela que uma boa ação oferece suas recompensas. Tema que se repete em A Raposa e o Camponês, primeiro conto do livro Histórias de Mukashi, que é a palavra japonesa para antigamente. Outros cinco contos dão corpo à obra revelando personagens, ritos e crendices que habitam o imaginário do povo japonês. Coincidentemente, dois destes contos abordam a chegada do ano novo. Eu, que já havia me encantado com as ilustrações de Lucia Hiratsuka, me surpreendi com seu texto. Enxuto, simples, direto e bonito. Chega fácil no coração da criança e maravilha a todos. Em cada livro, um pequeno glossário introduz o leitor no universo fantástico do oriente. Foi uma bela surpresa para começar o ano.

Em 2008, teremos várias atividades culturais em homenagem ao centenário da imigração japonesa no Brasil. A cultura nipônica estará em alta. Aparecerá em exposições de arte, enredo de escola de samba carioca, festivais gastronômicos, etc. Por sua vez, Lucia, que desde pequena ouvia sua avó contar histórias do Japão e do Oriente, não espera por data alguma para falar de suas origens. Há muito reconta e ilustra com delicadeza e simplicidade a bela e tradicional cultura japonesa. Sua delicadeza e simplicidade são como água servida numa taça de cristal. Mata a sede de todos, com um toque de beleza. Neste primeiro dia do ano, quente e preguiçoso, bebi das palavras e imagens de Lúcia Hiratsuka. Matei a sede do primeiro dia. Sinto que beberei mais da sua arte. Hatuna matata.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

A criança encontra o universo e seus segredos

Começo a resenha com um trecho do Juramento do Cientista: “Juro usar meu conhecimento para o bem da Humanidade. Prometo Jamais causar dano à pessoa alguma na minha busca de sabedoria”. E aí, deixo o alerta a você, caro leitor(a): Siga as palavras à risca para não sofrer a Maldição da Vida Alienígena.

No início dos anos 80 o Sistema Solar contava com 9 planetas. Eu tinha 8 anos e não sei se aprendi isso nas aulas de ciências ou nas madrugadas assistindo a série COSMOS de Carl Sagan. O fato é que ficava acordado até tarde para ver aquelas imagens maravilhosas do universo e do planeta Terra. Muito antes do telescópio Hubble e dos efeitos da computação gráfica. Temas fascinantes para olhares curiosos e o meu sempre o foi. Mas falar sobre o Universo é trabalhar lado a lado com a Física, uma matéria nada dócil quando não se tem o dom para a coisa. Nunca fui fã da matéria. Tinha facilidade para decorar as fórmulas, mas não entendia bem o porquê daquilo tudo. Acabei me entregando às explicações que lia nas revistas em quadrinhos. Os segredos científicos desvendados por Reed Richards do Quarteto Fantástico, por exemplo, constituíam a minha Ciência particular. Havia uma lógica ali que cabia na minha cabeça fértil por descobertas. É claro que guardava para mim toda aquela gama de conhecimento sobre raios cósmicos, universos paralelos e buracos negros. Afinal, ninguém mais me explicava como o mundo estava ali, cheio de hidrogênio, oxigênio, moléculas de carbono...

Talvez não passe pela cabeça dos adultos que este assunto seja de interesse infantil. Pois bem, acabei de ler o livro GEORGE E O SEGREDO DO UNIVERSO (Lucy e Stephen Hawking, Ediouro) e o menino que habita em mim adorou. Acredito que uma criança por volta dos 10 anos poderá se divertir com esta ótima aventura e aproveitar para conhecer o motivo que levou a comunidade científica a considerar apenas 8 os planetas do nosso Sistema Solar. Há mais descobertas: é possível escapar de um buraco negro; dá para imaginar como seria viajar num cometa; visualizar o nascimento e a morte de uma estrela, além de outras informações acerca dos mistérios do universo. Os autores (Stephen Hawking – um dos maiores gênios da Física e sua filha Lucy) escrevem numa linguagem fácil demonstrando uma paixão pelo assunto que contagia o leitor com o vírus do conhecimento. Enfim, ciência e a fantasia juntas, num livro recheado de delícias.
Uma delas é o trabalho do ilustrador Garry Parsons que dá ainda mais agilidade à história que fala do encontro de George, um menino cuja família vive às margens da tecnologia, com sua nova vizinha, Annie, uma menina muito esperta que guarda em casa o computador mais poderoso do mundo: Cosmos. Daí, a ponte para viagens ao espaço, intrigas na escola, um professor misterioso e descobertas científicas. Outra delícia são as fotos coloridas de estrelas, cometas, planetas, luas, nebulosas e outros elementos do universo. Há ainda – paralelo ao enredo – quadros explicativos com curiosidades sobre o Sistema Solar. A história, embora recheada de verdades absolutas, é uma grande ficção. Um delicioso petisco para iniciar a garotada no fantástico mundo da ciência. Neste livro, o leitor verá que um pouco de ciência pode entreter e ao mesmo tempo abrir seus olhos para o que acontece “lá fora”.

Agora, nunca esqueça do Juramento do Cientista. Use o conhecimento para o bem, senão poderá ser vítima da Maldição da Vida Alienígena que vocifera: “Você ficará verde, o seu cérebro borbulhará e vazará pelas orelhas e pelo nariz. Seus ossos virarão borracha e nascerão centenas de verrugas pelo seu corpo. Só poderá comer espinafre e brócolis e jamais tornará a assistir televisão, pois ela fará seus olhos caírem da cabeça”. Putz, nem na série V – A Batalha Final tinha uma maldição desta qualidade!!! That´s all, folks.

P.S. 1. Os trechos em laranja foram copiados do livro.

P.S. 2. Para os adultos que resistem a um livro com “caráter infantil” mas estão em busca de alguma ficção com noções sobre o universo, recomendo a leitura de Contato, de Carl Sagan. Se a preguiça atacar, vá à locadora e peça a versão cinematográfica, com Jodie Foster. Os dois são imperdíveis!!!

P.S. 3. A primeira foto é a do maior Buraco Negro já descoberto, com 22 a 34 vezes a massa do Sol.

P.S. 4. Para os amantes da Ficção Científica e loucos por um humor refinado recomendo O GUIA DO MOCHILEIRO DAS GALÁXIAS, de Douglas Adams. É ÓTIMO!!!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A mais incrível história de todos os tempos!!!

Em 1849 o Papai Noel vestia uma roupa marrom. Mas o Natal daquela época já mantinha tradições que sobrevivem até hoje como a árvore de natal, o presépio e as canções (Noite Feliz, por exemplo, já fazia parte do repertório). Era também tempo de presentear.

No natal daquele ano, numa casa inglesa, um pai desembrulha o presente para seus oito filhos (*) e esposa. Um manuscrito escrito por ele mesmo acerca da vida de Jesus Cristo. Baseado no Evangelho segundo São Lucas, seu conteúdo sugere algo como um Novo Testamento para crianças. O escritor em questão foi o genial Charles Dickens, autor de clássicos da literatura universal como Canção de Natal e Oliver Twist. Mas o autor do presente não vestia a beca de renomado escritor e sim a de um pai de família, preocupado com a formação dos filhos. Em vida, Dickens não autorizou a publicação da obra, exigindo que ela fosse um segredo cultivado por sua família. Publicado pela primeira vez em 1934, mais de seis décadas após sua morte, o livro A VIDA DE NOSSO SENHOR (Charles Dicken, Martins Fontes) permanece fora da lista das obras do autor. Pode não ser uma obra prima para os estudiosos. E, como Dickens expressou sua vontade de que o texto não fosse publicado, talvez ele mesmo não visse nada de literário nele.

Porém, querido leitor, quando descobri este livro no final de 2006 não desgrudei de suas páginas até o final. Por isso, esqueça o papo acima sobre lista oficial, obras literárias e afins. A história que este livro conta você já conhece, mas seu filho pode não conhecê-la por inteiro. A forma como Charles Dickens a desenvolve é por demais carinhosa e conquista o leitor independente da idade. Embora possa ser lida por qualquer criança, acho que fica mais gostoso se um adulto puder compartilhar desta leitura, pois é fácil encontrar a figura do pai na voz do narrador. Apesar da força católica que a personagem Jesus carrega em si, a leitura deste livro ultrapassa as amarras das crenças religiosas. Em suma, apresenta a fantástica história de um homem pleno de virtudes e seu final trágico para que a humanidade pudesse garantir seu lugar no Paraíso.

Talvez seja difícil pensar que comportados, venturosos, caridosos e piedosos, nossos filhos estejam a salvo numa possível vida após a morte. O mundo de hoje exige virtudes tanto quanto cuidado. E existe um apego ao real que transforma o Paraíso numa TV de 50 polegadas ou num Vídeo Game de última geração. A felicidade é urgente e fugaz. Mas a leitura deste livro retoma valores quase esquecidos neste mundo tão virtual.

Em 1849 pensar no nascimento de Cristo e em suas ações fraternas ainda eram os principais motivos para celebrar o Natal. Na abertura do livro, Charles Dickens escreveu: “Meus queridos filhos. Estou muito ansioso para que vocês conheçam algo sobre a história de Jesus Cristo, pois todo o mundo deveria conhecê-Lo. Jamais viveu alguém tão bom, tão afável, tão gentil e tão cheio de perdão para com todas as pessoas que erraram, ou que eram de alguma forma doentes, ou miseráveis, como Jesus. E como ele está agora no Paraíso, para onde esperamos ir e nos reunir depois de morrermos, e lá sermos sempre felizes, juntos, vocês jamais poderão imaginar que lugar bom é o Paraíso sem saber quem Ele era e o que fez”. Que nosso Natal seja pleno de paz e que as famílias possam se reunir em fraternidade para – assim como fez a família de Dickens - recontar a fantástica vida de Jesus Cristo e aprender com ela. Hatuna Matata.

(*) Depois de 1849 Charles Dickens teria ainda mais dois filhos.

P.S. A primeira imagem deste post reproduz um Natal em família na Inglaterra Vitoriana do tempo em que Dickens escrevia seus livros.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Presentes de Natal

Queridos amigos, neste final de ano, com a proximidade do Natal, Papai Noel já trouxe boas notícias. Algumas, ainda não posso revelar. Outras, divido com vocês. Ontem, estrearam dois blogs que os Roedores de Livros esperam que sobrevivam na blogosfera. O primeiro, é escrito pela Cláudia Orthof e Mariana Rosa. A primeira postagem apresenta o presépio acima, montado pela própria Sylvia Orthof. A dupla promete compartilhar o acervo de Sylvia com todos nós, internautas. Já está nos meus favoritos. O endereço é http://sylviaorthof.blogspot.com. Passem lá.

Outra surpresa foi descobrir que Elma, querida ilustradora, mãe e avó coruja, também defila seu talento no universo virtual. Seu Blog Tempo de Ternuras apresenta seus livros e belas ilustrações. Ela abre com um cartão de natal muito lindo... passem lá para conferir. Abaixo, uma lembrancinha da felicidade do nosso primeiro encontro. Elma, eu e Rosinha Campos desfilamos sorrisos no Salão do Livro da FNLIJ. Êêêêita saudade!!!

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Valentina quer dar os parabéns!!!

Aqui em casa não faltam caixas. São muitas. De vários tamanhos. Eu mesma as faço. Adoro imaginar o que cada uma vai guardar. Escolher o tecido ou o papel que vai envolver o marrom do papelão. Algumas ficam fechadas por muito tempo. Outras, quase não descansam a tampa. É o caso da caixa que guarda (?!?!) os livros que esperam a vez de nos encantar com suas histórias. Em seu interior, acumulam-se os volumes que ficam numa fila desorganizada. Uns pulam na frente, outros se escondem no fundo... vez em quando eles aprontam uma surpresa. Foi o que aconteceu hoje.

Eu estava procurando o Pequeno Nicolau quando dei de cara com VALENTINA (Márcio Vassallo, ilustração de Suppa, Global). Posso jurar que ouvi a menina me convidar para uma voltinha em suas páginas. Talvez porque, assim como ela, eu tenha ouvidos que escutam cochicho de nuvem. De qualquer forma, aceitei o convite e tirei Valentina da caixa. Comecei pela última página e aí, descobri que hoje, 18 de dezembro, é o aniversário do Márcio Vassallo, autor do livro. Coincidências do mundo da fantasia. Ri um riso que esparramou pelo rosto feito gato espreguiçado.

Trouxe Valentina para a cama e ela reconheceu o cheiro de abraço amarrotado. Deitei o olhar em suas páginas. Conheci e me encantei com a menina-princesa, moradora de um castelo localizado na beira do longe, lá depois do bem alto. O rei e a rainha, pais de Valentina, faziam algo que a intrigava: desciam do castelo todo dia para trabalhar. Ela não entendia bem o porquê. Assim como estranhava ter que esconder sua beleza que não cabia em página de livro. A menina morava longe de Tudo. Até que um dia foi com os olhos e os pés conhecer Tudo de perto. Lá, descobriu que todas as meninas daquele lugar sonhavam em ser princesa. Mas a menina Valentina já era princesa e morava num castelo logo depois do mais longe de Tudo.

As metáforas embelezam o enredo de Márcio Vassalo. E o que escrevi acima sobre a história não revela tudo o que o livro apresenta de melhor. Há muito mais. Há muita beleza nas ilustrações inspiradíssimas de Suppa que abusa do papel reciclado, pinturas e colagens com tecidos, plásticos e papéis. Formas geniais de vestir a menina-princesa e seu universo. Há muito mais.

O livro Valentina, além de contar uma bela história, reverencia uma infância repleta de reis, rainhas, príncipes e princesas que todos somos ou fomos um dia. Brincando no quarto, nos braços da mãe, no mundo dos sonhos. Não há fronteiras para o sonho. Em Qualquer Lugar habita a realeza. Longe de Tudo ou no meio de Tudo somos assim: repletos de fantasia. Pelo menos, deveríamos ser. Nas entrelinhas, o livro transborda realidade. Parabéns Márcio Vassalo. Sua personagem pulou da minha caixa para te desejar um Feliz Aniversário. Eu também lhe felicito. Pelo natalício e pela bela história que descobri nesta noite. Agora é hora de deixar Valentina dormir na estante e procurar O Pequeno Nicolau na minha adorável caixa de livros.

P.S. As frases em destaque são copiadas do livro Valentina.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Um Nóbrega, outro Nóbrega e uma cabeça nas nuvens...

Dia desses, em Fortaleza, reencontrei o casal Andréia e Flávio Paiva. Andréia, é jornalista com quem tive o prazer de trabalhar nos primórdios da Rádio Extra, em Fortaleza. Flávio, também jornalista, é um talento quando o assunto é cultura infantil. Escreve músicas e histórias para crianças com uma qualidade ímpar. Nosso encontro foi numa noite quente no Capitão Mostarda. Eu estava curioso em conhecer os novos livros de Flávio e eles em conhecer os Roedores de Livros. Nas muitas conversas que nasceram alimentadas por um delicioso sanduíche de hambúrguer de cajú, deixo aqui uma das mais curiosas.

Flávio estava num avião, em companhia de um dos seus filhos quando a aeromoça passou distribuindo a revista da companhia aérea. O menino exclamou: - Olha pai, é o Nóbrega na capa. A funcionária se espantou com o conhecimento do pequeno. Na avaliação do pai, a moça se admirou pois a criança era muito nova para reconhecer o pernambucano Antônio Nóbrega, músico excepcional, que impressiona pelo talento multicultural que imprime ao tocar vários instrumentos, ao entoar frevos e maracatus e na leveza de seus passos lépidos e dançantes. O que ela não sabia é que o pequeno conviveu com Nóbrega quando este participou do projeto BENEDITO BACURAU – O pássaro que não nasceu de um ovo (Editora Cortez), livro CD de Flávio Paiva que conta com apresentação de abertura de Rubem Alves e ilustrações do artista plástico Estrigas. Antônio Nóbrega narra as histórias no CD que acompanha o livro.

Passado um tempo, a aeromoça se dirige aos dois, munida com um olhar fuzilador de reprovação voltado para Flávio. Perguntou ao menino se ele conhecia MESMO o homem da capa da revista: – Claro que conheço o Nóbrega!, disse a criança. O olhar ameaçador ganhou as seguintes palavras nos lábios da aeromoça: - O senhor não tem vergonha de deixar um menino desta idade assistir TV até tarde, não? E logo a Praça é Nossa?

Foi então que pai e filho entenderam tudo. A aeromoça não se deu ao trabalho de ler a reportagem que ilustrava a capa da revista da sua empresa. Se não, pelo menos ficaria intrigada com o texto comemorativo sobre os 100 anos do Frevo. Só conseguia imaginar que o Nóbrega da revista – apesar da foto mostrar o contrário – era Carlos Alberto de Nóbrega, humorista do SBT. Flávio e seu filho se entreolharam e guardaram um sorriso no olhar. Sorriso que aflorou novamente ao cruzar com a moça no desembarque. Ela, de fato, não conhecia nenhum dos Nóbregas desta história. E apesar da aeronave em solo, ela – a moça – provavelmente ainda estava com a cabeça nas nuvens.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Os Sapatinhos Vermelhos de Andersen

Na manhã do último sábado, 08 de dezembro, fomos eu, Tino, Pedro e Júlia assirtir ao espetáculo Os Encantadores de Histórias da companhia A Caixa do Elefante Teatro de Bonecos, no teatro da Caixa, aqui em Brasília. Convidamos vários amigos que se fizeram presentes e encontramos outros. André Amaro e sua filha, Íris Borges, Aldanei Andrade, minha irmã Andréa Bernardes e novos amigos que conhecemos nas apresentações do Firimfimfoca. Engraçado que algumas crianças apontavam para o Tino e para Aldanei e diziam: - Olha mãe, o Firimfimfoca!!! Felizes com o reconhecimento fomos conhecer o trabalho da Companhia.
No palco, dois atores (Carolina Garcia e Paulo Balardim), seus bonecos e a fantástica percutecleta contam uma adaptação para O Soldadinho de Chumbo e Tudo Está Bem Quando Acaba Bem, textos originais de Hans Christian Andersen. Naquela manhã, uma platéia miúda, talvez pelo horário inusitado (11h00), apreciava a encenação. Risos e aplausos. Crianças curiosas em conhecer os efeitos cênicos. Enfim, uma bela apresentação. Ao final, encontramos a querida Ana Dourado, ao lado do seu “Soldadinho de Chumbo”. Calçava um belíssimo par de sapatos vermelhos comprados no bairro da Liberdade em São Paulo. Disse que os calçou “em homenagem a Andersen”. Uma bela sacada, essa da minha xará.
Ela fazia referência a uma história pouco divulgada por estas terras tupiniquins: Sapatinhos Vermelhos. Este conto é sobre uma pobre menina que se encanta com os rubros calçados. Inveja e vaidade são os temas centrais do enredo. O final, característico em Andersen, não é feliz. Ana Dourado comentou sobre a dificuldade em encontrar um livro em português com essa história. Eu, que não havia atentado a isso, fui buscando na memória aonde eu havia lido aquele conto. Ao chegar em casa procurei nas obras do autor dinamarquês e nada encontrei. Segui em minha busca, pois estava certa de que havia lido em algum livro da estante. Enfim, achei o danado. É o conto de abertura do quarto volume da série CONTOS E POEMAS PARA CRIANÇAS EXTREMAMENTE INTELIGENTES (Harold Bloom, Editora Objetiva). Um livro de 500 páginas repleto de histórias maravilhosas como O Sinaleiro (Charles Dickens), Os Páes da Bruxa (O. Henry), O Horla (Guy de Maupassant) e William Wilson (Edgar Allan Poe). O autor dividiu os volumes em estações e este quarto representa o INVERNO. Por isso, os contos trazem a morte como elemento central. Os Roedores de Livros já falaram sobre esta coleção (Clique AQUI).
É estranho a falta do conto Sapatinhos Vermelhos em tantas compilações de Andersen por aí. Peço aos leitores deste blog que, caso conheçam outras publicações com esta história, deixem a indicação nos comentários. Talvez possamos popularizar ainda mais este conto. Para os curiosos mais afoitos, há uma versão numa tradução mais simples na internet (Clique AQUI). Mas, nada comparável ao conforto de saborear um livro com uma tradução bem feita, merecedora do talento de Andersen. Os sapatos vermelhos de Ana Dourado não estavam dançando naquela manhã, mas enfeitavam pés que adoram caminhar pelo mundo da fantasia. Hatuna Matata.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Um encanto maior que o susto!!!

O teste final para saber se uma história é boa ou não é levá-la a uma roda de ouvintes e contá-la para o grupo. Normalmente as crianças do projeto Roedores de Livros são agraciadas com nossas descobertas literárias. Algumas histórias dispersam, outras exigem a concentração que só uma leitura individual pode oferecer. Muitas, encantam. Neste final de ano, com o projeto em recesso, tive que apresentar nossa última descoberta a dois grupos distintos, formados por adultos e adolescentes. O resultado foi o mesmo: espanto, arrepios (mesmo!!!), curiosidade e, por fim, o livro circulando de mão em mão como um troféu. Era um exemplar de SETE OSSOS E UMA MALDIÇÃO (Rosa Amanda Strausz, Rocco).

Ele chegou em casa na sexta à noite, um dia sugestivo para um livro de terror. Este gênero mexe com a garotada. Sempre querem uma história assim. Tenho visto muitos meninos e meninas nas livrarias folheando os livros da série Goosebumps e comentando uns com os outros: “- Cara, essa história é sinistra... mó legal”. Bem, eu ainda não li nada da série. Tenho até uma edição de Como matar um monstro na nossa caixa de “próximas leituras”. Irado mesmo, sinistro pra caramba e capaz de arrepiar os cabelos de crianças, jovens e adultos é o livro de Rosa Amanda Strausz. São 11 contos com fantasmas, espíritos, vozes e barulhos misteriosos, crianças e adolescentes. O realismo fantástico impera e assusta. Dá aquele friozinho na barriga de quando o automóvel encontra uma ladeira subitamente. É um texto em que a autora usa da inteligência para conquistar o leitor. Não precisa derramar sangue. Não derrama. Abusa de finais abruptos e surpreendentes, mas antes, nos leva por cemitérios, casarões abandonados, ruas desertas e tantos outros cenários que fazem nossa imaginação tremer um pouquinho a cada linha. Mas acredite: a leitura é por demais prazerosa.

O primeiro conto já é um clássico. Chama-se Crianças à venda. Tratar aqui. Uma mãe resolve vender seus filhos para escapar da miséria em que vivem. Um a um seus filhos são vendidos. Tião, Francineide, Ronivon e Fabiojunio. Mas a filha mais velha – preterida pelos compradores - desconfia que algo muito estranho esteja acontecendo... Outro conto - Devolva minha aliança – fala sobre meninos que brincam no cemitério de uma pequena cidade. Mais sustos e surpresas. Para as meninas, o conto Dentes tão brancos deve impressionar. Nossa Júlia, de 10 anos, que adora arrancar seus dentes de leite sozinha, assim que eles começam a amolecer, ouviu essa história de amor com uma atenção... O conto que dá título ao livro já começa a intrigar pelo que mostra na belíssima capa do exemplar: uma foto do rosto de uma boneca espanhola com um olhar e um sorriso que despistam o tema. O primeiro parágrafo convida o leitor para mais um mistério: “Se não fosse pelos pesadelos que vinha tendo nos últimos dias, Clara não acreditaria na orientação recebida da tia. Mas eles não falhavam. Toda noite, uma mulher surgia no meio de seus sonhos e sussurrava: “Meus ossos.” Não conseguia ver o rosto da mulher, nem mesmo suas roupas. Só uma silhueta ameaçadora. E apavorante. Invariavelmente, acordava ensopada de suor frio”. Daí em diante, o texto conduz o leitor para mais uma história com final surpreendente.

Sete Ossos e uma Maldição é, ao meu ver, obrigatório numa biblioteca infanto-juvenil. Primeiro, porque não lembro de ter gostado tanto de contos de terror desde minhas primeiras leituras de Edgar Allan Poe. Em segundo lugar, por ele ter passado com louvor no teste da leitura em grupo. Por último, seus personagens não precisam de uma noite chuvosa, com lua cheia e uivos de lobo para cumprirem seu papel. Assustam e encantam o leitor em pleno meio dia. Não tenha medo de explorar suas páginas. Esteja certo de que o encanto é maior que o susto.

P.S. Rosa Amanda Strausz mantém um blog muito bacana na internet em parceria com André Ricardo Aguiar. Visite Fábula Portátil.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A piscina de Coca-cola de Ondjaki

Foi numa segunda feira. Entrei na livraria procurando a última edição do João Teimoso (texto lindo demais do Luiz Raul Machado com ilustrações da Graça Lima) quando me deparei com um livro exposto na seção de lançamentos, cuja capa me chamou a atenção. Um close mostrava os pés de duas crianças que se dependuravam num muro. Sob seus pés o título em vermelho: OS DA MINHA RUA (Ondjaki, Língua Geral). Peguei o livro e fui em busca do João Teimoso. Pausa para o café e para descobrir a primeira história do livro: O vôo do Jika. Pronto, estava fisgado pelo texto saboroso do angolano Ondjaki. Angolano? Pois é, as coincidências começaram ali, na origem do autor e, consequentemente, no ambiente onde as histórias se passavam: as ruas de Luanda. Há dias que eu procurava algo para presentear uma nova amiga, Joana Abreu, que partiria em breve, de férias, para Luanda, capital de Angola, país africano. Naquele dia, trouxe Os da minha rua para minha casa.

Na terça, fazendo minha leitura diária do jornal Correio Braziliense, li ao final da matéria sobre a presença de Paulo Lins em Brasília a seguinte nota:

Ondjaki - Finalista do Prêmio Portugal Telecom e um dos maiores escritores angolanos da atualidade, Ondjaki estará hoje em Brasília para lançar, às 19h, no Café com Letras, seu mais recente livro, Os da minha rua, e autografar sua obra anterior, Bom dia, camaradas.

Quase não acreditei em mais esta coincidência. À noite, fui lá encontrar a anfitriã Luiza (propietária do Café com Letras) e conhecer o autor africano (foto abaixo). Eu já tinha lido A televisão mais bonita do mundo, o Kazukuta e Jerri Quan e os beijinhos na boca. Ondjaki é um autor jovem. Talvez por isso, suas impressões da infância vivida em Luanda se pareçam em muito com as de minha meninice no interior da Bahia. Ao vivo, esbanjou simpatia com todos e nos presenteou com relatos engraçadíssimos sobre noites de autógrafos e outras aventuras. Eu havia levado mais um exemplar – o da Joana – para ele autografar e confessei que não tinha terminado a leitura, mas adorado a forma como ele escondia no texto a surpresa acerca do Kazukuta e compartilhei minhas lembranças da novela O Bem Amado, amareladas pelo tempo. Ele abriu um sorriso e senti que fomos cúmplices em tantas outras descobertas de menino que habitavam aquele livro.
A semana passou corrida com as obrigações que tínhamos com o Firimfimfoca – que encerrava a primeira temporada naquele final de semana. Só pude retomar a leitura de Os da minha rua na outra segunda, a bordo de um avião que me levaria para Fortaleza. Ondjaki me encantava com algumas frases: “Matabichávamos devagar” foi uma delas. “Tia Rosa fez-me uma festinha nas bochechas” foi outra. Algumas verdades chegavam carregadas de metáforas: “A vida às vezes é como um jogo brincado na rua: estamos no último minuto de uma brincadeira bem quente e não sabemos que a qualquer momento pode chegar um mais-velho a avisar que a brincadeira já acabou e está na hora de jantar”. Mas nada é mais fantasiosamente infantil que a piscina de coca-cola do tio Victor. Ela simplesmente encantou a todas as crianças presentes na casa de Ondjaki, que descreveu: “dos olhos dos outros, eu vi, saía um brilho tipo fósforo quase a acender a escuridão da varanda e a assustar os mosquitos”. Os meus também brilharam com aquela intensidade. Experimente: feche os olhos e mergulhe na piscina de coca-cola do tio Victor. Sinta as bolhas estourando pelo corpo. Ah, eu fui até a lua.
Quando voltei, o piloto anunciou que estávamos a 9mil metros de altura. Eu continuava absorto nas histórias do angolano. Traziam um quê de oralidade, muita criatividade e um português encantador. De fato, literatura. Ali, recordei minha fascinação com a novela Roque Santeiro e sua trilha sonora. Saboreei mangas verdes com sal. O primeiro beijo tímido, quase roubado. Minha infância feliz. Algumas lágrimas, sim. Lágrimas como aquelas que escorreram do meu rosto ao ler O portão da casa da tia Rosa e reconhecer a força que a música de Roberto Carlos exercia no menino Ondjaki e ainda exerce em mim. Ainda tocam na minha cabeça aquelas frases finais da canção do Rei: “por mais que eu faça, não adianta, você nem nota a minha existência; e os dias passam correndo, vou acabar te perdendo, e os dias passam correndo, vou acabar te perdendo...” O disco é aquele em que Roberto Carlos está de chapéu branco deitado numa rede. Desde aquele tempo eu já gostava de ouvir suas canções. Minha infância também teve a trilha sonora de Roberto Carlos. Mas, depois de ler Os da minha rua, percebo que mesmo distantes, Ondjaki e eu vivemos situações parecidas. Talvez parecidas com a infância de tantos outros meninos e meninas pelo mundo afora. Duvida? Então procure nas páginas deste livro. Descobrirá, enfim, mais um fã do poeta Manoel de Barros: “um livro o ensinou a não saber nada – agora já sabe" (in O Guardador de Águas).