


“Um dia, tinha que ser um dia azul, com nuvens brancas, vento suave, sol quase cor-de-rosa, tinha que ser num dia assim (*)” para que eu reencontrasse OS TRÊS LADRÕES. Não foi num seqüestro relâmpago, muito menos num assalto a banco ou no calçadão de uma praia carioca. Os ladrões aos quais me refiro eu poderia ter encontrado se morasse distante daqui, nos tempos em que as carruagens eram movidas a cavalos de verdade e rodas de madeira. Nos encontramos pela primeira vez há muitos anos, quando tive acesso aos vídeos da coleção Crianças Criativas. A única coisa que eles conseguiram roubar de mim foi a atenção. E agora, me vejo com o olhar e o coração presos ao encanto não do vídeo, mas, finalmente, do livro OS TRÊS LADRÕES (Tomi Ungerer, Global) em novíssima edição.
Publicada originalmente em 1963 e vencedora de diversos prêmios, incluindo o Hans Cristian Andersen (2000) esta história teve sua primeira edição traduzida para a Língua Portuguesa em 1997. Três ladrões se ocupam em assaltar carruagens com uma estratégia infalível acumulando uma riqueza de fazer inveja aos mais ricos. Um dia, ao encontrarem uma pequena órfã, os três malvados são tocados pelo amor e passam a dar um novo sentido a suas vidas.
Tomi Ungerer, nasceu em 1931 na Alsácia, região administrativa da França. No final dos anos 50 foi morar nos Estados Unidos da América onde trabalhou como ilustrador em publicações famosas como a revista Life e o diário The New York Times, onde ficou conhecido por seu traço criativo e cheio de humor. No Brasil, infelizmente, tem poucos livros disponíveis. Entre eles, O Homem-Lua e O Chapéu.
(*) Trecho da história Um elefante incomoda muita gente, de Sylvia Orthof, publicada no livro Os Bichos que tive (Salamandra).
Dizem por aí que a origem do costume de se estender um tapete vermelho para que pessoas importantes possam passar por ele vem de muitos anos. Séculos. E a questão não era exatamente O tapete e sim a sua cor. Segundo descobri por aí, na Antiguidade (cerca de
Sem precisar gastar tantos tostões com a tal da concha e sem explorar a mais valia, Ana Paula e Edna compraram o material e encomendaram a uma costureira a confecção de um tapete vermelho para que nossas ilustres crianças ficassem mais a vontade. A sombra da árvore no jardim do Centro Comunitário da Criança ficou ainda mais acolhedora. Enquanto isso, nossa sala vai ganhando a estrutura necessária.
Para a mediação, pensei em comentar sobre a cobertura da imprensa sobre o caso Isabella Nardoni. Todas as crianças estavam por dentro do assunto. Algumas tinham até feito algum trabalho a respeito na escola. Ali, no mundinho deles, o caso é só mais um. Dia desses, dois deles me contaram uma história depois de uma canção:
Menina: - Eu tinha um tio que gostava de tocar violão.
Menino: - Ele era assim, gordinho, parecido com o senhor.
Menina: - Ele morreu num acidente de carro semana passada.
Menino: - Foi. Depois do acidente, deram seis tiros nele, dentro do carro.
Menina e Menino: - A gente sente uma saudade dele. Era um cara bem divertido.
E saíram para brincar enquanto eu fiquei com as músicas engasgadas na garganta.
Meu pai nasceu no interior do Ceará e viveu uma infância árida de sabores literários. Entre a sua casa e a escola havia uma distância razoável que era percorrida diariamente no lobo de um jumento. Tinha sorte. Outros percorriam a pé. Apesar disso, a vida dura do povo do sertão não tornou o menino Francisco um homem rude. Muito pelo contrário. Estudou até onde pôde e seguiu à risca os ensinamentos religiosos. Não sei ao certo, mas a Bíblia deve ter sido seu grande livro onde viajou nas aventuras de Jonas no interior da baleia ou Daniel na cova dos leões. Ainda hoje, gosta de ler biografias de santos e outros assuntos relativos à vida religiosa.
Muito tempo depois, com a chegada dos cabelos brancos, meu velho ganhou o título de “Seu” Freitas. Assim ainda o chamam, muitos. Veio a aposentadoria e, aos poucos, vi que poderia – depois de aprender tanto com ele – dividir com meu pai o gosto por tantos livros que tive a oportunidade de conhecer. Desde então, nos tornamos parceiros de algumas leituras. Houve uma revolução lá em casa e depois dos 60 anos, na melhor idade, o menino do sertão descobriu a internet, voltou a estudar e, depois de tanto trabalho, pôde se entregar aos prazeres de uma juventude tardia, porém, bem vinda. Hoje, distantes a apenas três horas de avião, somos mais amigos que pai e filho.
Demorei a encontrar este livro mas, confesso que fui negligente em minha busca. Dia desses descobri O Almirante Louco (Fernando Pessoa, organização de Carlos Felipe Moisés, ilustrações de Odilon Moraes, SM) e meus olhos se encheram de cores, cheiros, arrepios, saudades e outras sensações. O curioso é que foi em abril, mês em que o “Seu” Freitas faz aniversário. Enfim, encontrei o presente. Tive que encomendar outro para mim, pois só tinha um exemplar na livraria.
São apenas 64 páginas, mas, como disse antes, é um aperitivo. Delicioso. Temperado, com ingredientes selecionados por Carlos Felipe Moisés, que escreve seus comentários com uma linguagem concisa, fácil de entender, sem os arroubos eruditos de algumas edições – que assustam leitores mais simples. Divididos em blocos, Moisés apresenta características de Fernando Pessoa e seus personagens: Alberto Caeiro (poeta da natureza), Álvaro de Campos (o almirante louco) e Ricardo Reis (um poeta calmo e ignorado). Tudo seguido – é claro – de uma Seleção de poemas. Estão lá Quadras ao gosto popular, trechos de O Guardador de Rebanhos, Ah, um soneto entre outros. Por fim, há uma biografia leve, seguida de ótimas indicações de leitura para os que tiverem mais fome de Fernando Pessoa.
O Almirante Louco segue amanhã para os braços de “Seu” Freitas. Mais um pequeno mimo em retribuição a tanto que me deu e ainda me oferece. Fica aqui o desejo íntimo de que Fernando Pessoa e seus outros “eus” encantem desde o menino do sertão até o jovem senhor de cabelos brancos, personagens que habitam em meu pai, um homem que – mesmo sem ter lido o Poeta português – me ensinou:
“Quem tem pouco, tem tudo;
Quem tem nada, é livre;
Quem na tem, e não deseja
Homem, é igual aos deuses.”
P.S. As imagens:
1ª - Capa do Livro; 2ª - Fernando Pessoa por Odilon Moraes; 3ª - Alberto Caeiro por Odilon Moraes; 4ª – Álvaro de Campos por Odilon Moraes e 5ª – Ricardo Reis por Odilon Moraes.
Ele destoava na estante colorida da livraria. Aquele roxo da capa me chamou a atenção. Não resisti e levei o danado para tomar um café. Dei uma folheada e me encantei com as ilustrações e com um pequeno detalhe do projeto gráfico: a numeração das páginas estava impressa de forma incomum. Incomum. É a palavra certa para descrever A Maldição da Moleira (Índigo, com ilustrações de Alê Abreu, Girafinha). Moleira? O Aurélio explica: “A abóboda do crânio”. Difícil? Heitor explica: “Algumas latinhas de molho de tomate têm um ponto saliente na tampa. Ao apertar este ponto, a lata se abre. Os bebês funcionam ao contrário. Nosso “ponto” se chama “moleira”, e quando você aperta a cabeça do bebê se fecha”. A avó de Heitor apertou sua moleira quando ele era um bebezinho e com isso, ele adquiriu consciência. O livro narra, então, a visão consciente do bebê Heitor diante do convívio com Teletubbies, móbiles, um gato “selvagem”, o genial Comandante Oscar, uma mãe atenciosa e um pai desastrado, entre outros personagens.
Devo confessar que o conteúdo do livro é tão instigante quanto a sua capa. Depois da sua leitura fiquei olhando diferente para os bebês que passavam por mim nos shoppings, praças e ruas. Procurava descobrir em seus olhares um quê da “consciência” do Heitor que, antes de completar um ano, já sabia que “quando mamãe está contente, todos estão contentes”.
Ainda não falei das ilustrações do meu livro roxo preferido. São de Alê Abreu e, nesta edição, as sensações que tenho ao ver seus desenhos me remetem ao belíssimo-louco-incomum-genial livro Triste Fim do Pequeno Menino Ostra e Outras Histórias (Tim Burton, Girafinha). O Heitor de Alê Abreu tem um rosto expressivo e olhos enormes que ora lembram a doçura do olhar pidão do gato de botas do Sherek 2, ora demonstram a sagacidade do personagem felino. É isso: ele conseguiu fechar a moleira da sua criação que aparenta uma infância-adulta em parceria com o texto de Índigo. Alê também ilustrou outros livros que gostamos muito e que estão em nossa estante como As Cocadas (Cora Coralina, Global) e ABC do Mundo Árabe (Paulo Daniel Farah, SM). Cada um com uma identidade visual. Belas imagens.
“Elas acontecem na mesa da cozinha, e normalmente têm duração de uma hora. Papai passa a maior parte do tempo entre a cozinha e a lavanderia, fumando e expelindo fumaça para trás. Aproveita que mamãe não está vendo para bater as cinzas do cigarro no tanque. Durante amaior parte do tempo é mamãe quem fala. No começo tudo é falado como num seriado de televisão. Começa com uma explicação da situação e uma série de questões que papai e mamãe consideram erradas. Durante esta parte da conversa, você deve permanecer calado. Se nessa etapa inicial você disser alguma coisa, colocará tudo em risco, e a conversa pode terminar
- Você sabe que sua mãe está certa.
Daí ele repete tudo o que ela falou, só que mais rápido. Mamãe volta a falar mais algumas coisas e diz que chegou a sua hora de falar. Nessa hora você não deve falar. Você fica calado, e depois de um tempo de silêncio papai diz que eles estão fazendo tudo isso para o seu próprio bem. Você permanece calado e papai volta para a lavanderia. Acende outro cigarro. Mamãe vai perguntar se você quer um leitinho. Você responde que não tem fome. E eles, ou papai ou mamãe, insistem para você dizer alguma coisa. Você deve esperar para que eles insistam algumas vezes. Daí você pede desculpas. Se você só pedir desculpas, sem se defender, eles aliviam a pena que será imposta. Se você não se agüentar de ódio e fizer a besteira de se defender, você será ouvido, mas terá que cumprir a pena do mesmo jeito.”
A Maldição da Moleira me conquistou primeiro por seu projeto gráfico. Depois pelo argumento fora do comum. O texto de Índigo e as ilustrações de Alê Abreu já fazem parte dos meus favoritos. Experimente. No pior das hipóteses você vai se sentir incomodado. E isso já é ótimo. O que posso dizer mais sobre este livro?
- Sinistro!!! E ótimo!!!
Foi exatamente no dia 19 de abril de 1994 que comprei o primeiro livro infantil para Ana Cecília, minha filha, então com seis anos. Lembro como se fosse ontem. Deliciosamente, foi um livro de Jô Oliveira: Kuarup, a festa dos mortos – lenda dos povos indígenas do Xingu. Ele era meu professor no curso de Artes Plásticas da UnB e convidou a turma para o lançamento do livro que aconteceu inusitadamente numa loja do McDonald’s aqui
Nossa sala, na Creche Comunitária da Criança, ainda está sofrendo os ajustes e, mais uma vez, recebemos as crianças na área externa, à sombra de uma árvore. A sombra quase foi completamente ocupada pois havia um número maior de crianças do que na semana passada, embora ainda não fossem as 30 desejadas. É que algumas ainda não souberam da retomada do projeto. Outras, mesmo sabendo, ainda não apareceram. Mas, novas crianças aportaram por lá. Com isso, o projeto segue enriquecido de olhares curiosos.
Comecei os “trabalhos” falando do meu reencontro com o livro infantil há 14 anos naquele lançamento do Kuarup. Mostrei o livro, o maracá e falei que dia desses vou levar o Jô Oliveira para mostrar seus livros no projeto. O livro passou de mão
Era hora das crianças escolherem os livros para levar para casa quando ouvimos: “Tia, um livro é pouco para uma semana”. E assim, a partir daquele sábado, elas passam a levar para casa dois livros por semana. Sobre isso a Edna escreveu: “Desde o princípio de nosso projeto, o livro foi apresentado das mais variadas formas no sentido de promover o gosto, o encantamento pela leitura entre essas crianças carentes de emoções prazerosas. Emoções essas que, sabemos, uma leitura pode proporcionar. Hoje, nossa alegria é real. Em nossas crianças, a leitura é fonte de prazer”.