quarta-feira, 12 de março de 2008

Histórias pra gente grande.

A arena improvisada no Átrio dos Vitrais da Caixa Econômica Federal em está lotada. Acredito que umas 70 pessoas estão ali. São 19h do domingo, 09 de março. Depois dos avisos de praxe (desliguem seus telefones, etc) uma música instrumental, delicada, embala as expectativas de todos. Warley Goulart entra em cena e começa a tecer no tabuleiro. Os olhares diversos do público percorrem cada movimento dos fios. Tecem juntos com o balé das mãos de Warley. Pausa na música. Um silêncio delicioso se apodera da sala. É a terceira vez que assisto a este espetáculo e ainda me emociono. O contador de histórias convida-nos a uma pausa. Pausa para fiar. A música Debaixo D’ Água, de Arnaldo Antunes, chega na voz suave e encantada de Maria Bethânia. O olhar do público continua seu ir e vir no tabuleiro. Ainda sem palavras a história ganha em beleza. Somos reféns do agora e do que há por vir. Chegam mais pessoas. É o último dia. Já teve sessão extra para o público infantil. Este espetáculo é só para maiores de 12 anos. Cabe todo mundo. Finda a música no poema Agora dos velhos Titãs. Volta o silêncio. Warley tece o sol e lança as primeiras palavras do conto A Moça Tecelã que Marina Colasanti publicou no livro Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento (global). Lança os fios de algodão no ritmo ditado pela autora. Respeita o texto (eu o conheço bem). Entre gestos suaves e olhares certeiros ele surpreende e conquista o público que sentou ali curioso. Alguém tosse. Pede desculpas. Mas não incomoda. Os ouvidos estão surdos para tudo que não seja a voz de Warley que, enfim, tece a lua. Fim da história. Olhares atônitos ante tanta beleza que envolveu aquele início de noite, fim de domingo, fim de temporada. É hora de recolher as lãs coloridas. Bethânia volta a cantar. Uma moça passa a mão no cabelo. Outra tenta manter a boca fechada mas o queixo pesa e precisa ser apoiado com as duas mãos. Eu escrevo. Ainda não é hora para aplausos, diria o manual de etiqueta. É apenas o primeiro movimento. O concerto continua. Mas o aplauso é espontâneo. A emoção falou mais alto. E isso é ótimo!
De repente outra música instrumental surge entre as palmas. Pouco a pouco domina a cena. É a deixa para que Helena Contente comece a contar A Princesa de Bambuluá, história que Ricardo Azevedo adaptou e publicou no livro Contos de Espanto e Alumbramento (Scipione). O silêncio da arena ganha o som de passos que se aproximam. São os guardas do Átrio que chegam para assistir a performance. Helena está coberta por uma roupa negra da cabeça aos pés e os funcionários parecem saber o que virá a seguir. Buscam um lugar para manter a guarda. A Princesa de Bambuluá está viva nos olhos da contadora. Todos estamos focados na aventura de João em busca do seu amor. Desajuizados assim como o pobre rapaz, aceitaríamos os suplício e provações de João só para conhecer o fim da história. Mas não temos pressa. Helena é Iara, embora a personagem não faça parte desta história. Mas a sua voz traz um encanto que não conquista apenas os guardas. O público está entregue ao talento e à beleza da moça diante da história. Sensualidade. Mais bocas abertas. Olhos colados no corpo, ferramenta que movimenta a engrenagem do conto. Enquanto a narrativa segue, Helena joga com as caixas do cenário. Troca de roupa, brinca com peças de vestuário e aguça a curiosidade da platéia. Ricardo Azevedo ficaria surpreso ao ver que seu texto encontrou uma porta-voz. Como uma torcida organizada, rimos na hora certa. Um riso rápido na medida certa para seguirmos ouvindo. João segue vencendo suas provações e chega a Bambuluá. É hora do show. Mais uma vez a música toma conta e convida Helena para dançar. Uma dança que contagia, provoca risos, provoca os guardas. Mas, assim que acaba a música, a história pede silêncio. Ainda me arrepio. Volta a música e provoca mais risos. Cadu e Warley também riem da cena. Eles trabalham se divertindo. Não é ótimo?! Enfim, a história termina. Os guardas procuram outra coisa para fazer. Nós continuamos lá. Mais aplausos e alguns Iuhús naquele começo de noite, fim de domingo, fim de temporada. O público está mais à vontade. Eu escrevo.
Uma música andina cresce no ar e o grupo apresenta o último cenário da noite. Carlos Eduardo Cinelli, o Cadu, senta-se ao lado de um painel negro e começa a contar A Terra é Redonda do livro O Homem que não Queria Saber Mais Nada e Outras Histórias (ática) de Peter Bichsel. O texto é precioso, diferente, inteligente, criativo. As soluções que Cadu encontrou para contá-lo também são. Compartilhamos os absurdos ao lado de Monalisa, Almodóvar, Björk, Egberto Gismontti, Walter Salles, Beatles, Michelangelo, Papa Léguas e Coyote. Do painel saem soluções absurdas para o personagem pôr em prática seu grande desejo: dar uma volta perfeita no planeta. Na verdade, as soluções absurdas nascem de problemas mais absurdos ainda... mas que no fundo, no fundo, têm uma lógica!!! Caramba como este texto é bom. Cadu também. Ele segue pescando soluções no painel até que chega a primeira carreta. O público se mostra cúmplice num riso coletivo. Riso que vai se descontrolando na boca enquanto o texto se desenrola. Começa um jogo de advinhas. O público acha que já sabe o que há por vir, mas há sempre uma surpresa. Os risos seguem. Cadu tem o público na mão. Há um momento em que ele dispara o verbo. Fala, fala, fala e a gente fica sem fôlego. Tem o domínio do texto, parece que foi ele quem escreveu. Com um talento para proteger mochilas, o contador segue sua sina. Hã... será que a história me dominou e passei a escrever absurdos? A história chega ao seu final. Na verdade, o texto foi dito, mas nosso contador ainda surpreende numa performance de rodopios impressionante. Sou eu quem fica tonto. Tonto com tanta criatividade e encantamento. Estou feliz, entregue aos braços imaginários das palavras de Marina, Ricardo, Peter, Warley, Helena e Cadu. Ouço os aplausos. Público em pé. Um minuto. O grupo apresenta os livros. Mais aplausos e iuhús intensos. Lágrimas nos olhos dos três. A noite de domingo já ganha o breu e algumas gotas de chuva. Na minha mente, Cadu ainda rodopia enquanto escrevo. Fim de temporada. Hora dos meninos voltarem para a Cidade Maravilhosa. Já sinto saudades. Voltem logo. That’s all, folks.
Este texto é o relato da última apresentação de O mundo de fora pertence ao mundo de dentro, espetáculo integrante da temporada 2008 dos Tapetes Contadores de Histórias em Brasília (DF). Na foto acima, Warley, Cadu e Helena.

terça-feira, 11 de março de 2008

Ex-Libris dos Roedores de Livros

Chegou ontem!!! Primeiro, o do nosso acervo particular. Queríamos ver se ficava bom. Gostamos. Agora, pedimos para fazer o do acervo do Projeto. Chegará em breve!!! Para inaugurar, escolhemos o clássico Where the wild thing are, do genial Maurice Sendak.

Para os que não estão familiarizados com a expressão latina, "ex-libris" ou "ex-bibliotheca" significa "dos livros de..." ou "da biblioteca de...", ou ainda "livros dentre aqueles" pertencentes a determinada pessoa ou instituição. A denominação ex-libris não é apenas dada a etiquetas fixadas em livros, também são chamados de ex-libris toda a marca de posse feita em uma obra, quer seja o nome do possuidor por escrito, um sinal convencional, um símbolo, um brasão de armas, um monogramas ou uma sequência de iniciais, carimbos diversos e por fim, esta etiqueta isolada, que o possuidor da obra cola, em geral, à capa interna do livro encadernado ou numa das suas folhas de guarda. (para saber mais, clique AQUI).

domingo, 9 de março de 2008

Uma aventura no Reino das Letras

Um grande contador de histórias consegue dar vida às palavras. Na sua voz, elas têm poder. Transformam-se em cheiros, cores, texturas, formas e tantas outras coisas que encantam o ouvinte aproximando a fantasia do seu mundo real. Não é fácil contar histórias com tamanho talento. É preciso, antes de tudo, estar apaixonado pelo enredo. Conhecer algumas técnicas também ajuda, mas é necessário ter consigo a vocação. Paixão e vocação são características latentes de Mo, restaurador de livros e personagem central – ao lado de sua filha Meggie – do livro Coração de Tinta (Cornelia Funke, Cia das Letras, com ilustrações da autora).

Mo tem a língua encantada. Consegue trazer os personagens das suas leituras em voz alta para o mundo real. Mas não tem controle sobre quem ou o quê sairá das páginas. Meggie tem 12 anos. Não sabe do poder de seu pai. Ainda. Ele nunca leu para ela. Mas transmitiu sua paixão pelos livros. Numa noite chuvosa, os dois recebem a visita de Dedo Empoeirado, um personagem misterioso que movimenta a engrenagem de uma aventura de 455 páginas. A trama é repleta de surpresas e personagens com nomes curiosos como o capanga Nariz Chato, o terrível Basta e o grande vilão Capricórnio.
Para quem gosta de ler, o livro é um banquete para os olhos, uma homenagem à Literatura. No início de cada um dos 59 capítulos, a autora pinça fragmentos de histórias clássicas como A Ilha do Tesouro, O Senhor dos Anéis, O Livro da Selva e O Leão, a feiticeira e o guarda-roupa. As referências literárias aparecem o tempo todo mas não prejudica a história. Muito pelo contrário. Ajudam a construir a trama e ainda servem de dica para uma próxima leitura. Quer um exemplo? A seguir transcrevo o sonho atribulado da menina:
Lá fora o dia já começava a raiar quando ela finalmente adormeceu, mas a noite não levou consigo os sonhos ruins. No lusco-fusco da madrugada, eles cresceram ainda mais rápido, e de segundos teceram uma eternidade. Gigantes de um olho só e aranhas gigantescas invadiram os sonhos de Meggie, cães do inferno, bruxas devoradoras de crianças, todas as figuras terríveis que ela já encontrara no reino das letras. Elas rastejavam do baú que Mo construíra e abriam caminho entre as páginas de seus livros favoritos. Brotavam monstros até mesmo dos livros de figuras que Mo lhe dera quando as letras ainda não faziam sentido para ela. Com suas cores berrantes e suas cabeleiras desgrenhadas, eles dançavam, sorriam com suas bocarras e arreganhavam os dentes pontudos. Ali estava o gato de Alice, do qual ela sempre sentira medo, e os monstros de Maurice Sendak, de quem Mo gostava tanto que chegara a pendurar um pôster na oficina dele. Como seus dentes eram grandes! Dedo empoeirado ia sumir no meio deles como um pãozinho. Mas justamente quando um deles, aquele de olhos grande e esbugalhados, estendia suas garras, na noite escura surgiu uma nova figura, crepitante como uma labareda, cinzenta e se rosto, que pegou o monstro e o despedaçou como papel.

Muita gente procura os Roedores de Livros para perguntar sobre acervo de literatura infanto-juvenil. Este livro da alemã Cornelia Funke é item obrigatório. Depois, todas as outras citações de livros podem integrar tal acervo. Faltam “apenas” alguns clássicos brasileiros de Monteiro Lobato, Lygia Bojunga e Fernanda Lopes de Almeida. Se ela tivesse lido algo dessa turma, certamente estaria no livro. Ah... mas este é apenas o primeiro livro de uma trilogia. Quem sabe o que está por vir?

Coração de Tinta também foi fisgado pela sétima arte e estréia em abril nos cinemas de todo o mundo trazendo no elenco estrelas como Helen Mirren (oscar de melhor atriz 2007 pelo filme A Rainha) e Brendan Fraser (A Múmia). Aproveite que o filme ainda não entrou em cartaz, deixe a preguiça de lado e mergulhe os olhos nesta fantástica história. Eu passei uns quatro dias roendo as aventuras de Meggie, Mo e Dedo Empoeirado. Para mim, um clássico!!!

quarta-feira, 5 de março de 2008

Uma casa nova para os Roedores de Livros

Desde dezembro de 2007 que nós do projeto Roedores de Livros sentimos falta do contato com as crianças da Ceilândia. Mas não é fácil manter um projeto “de verdade” somente com voluntários. Os Roedores de Livros ainda não têm sede própria. Precisamos – entre outras coisas - de um cantinho para acontecer. Este tem sido nosso "calo" desde o início.

Em 2006, o embrião do projeto aconteceu na Biblioteca Comunitária T-Bone, em Brasília. Lá, recebíamos semanalmente crianças de creches, escolas públicas e abrigos do entorno do Distrito Federal. Mais de 900 crianças passaram por lá. Tudo era feito com muito prazer e dedicação, mas faltava consistência ao que fazíamos. Era importante para aquelas crianças sair do seu habitat, dar uma volta no Plano Piloto e conhecer uma biblioteca. Era importante o contato com a música, as artes e, principalmente, com a literatura infantil. Mas aquilo acontecia uma vez só para elas durante um ano inteiro (alguns grupos foram atendidos por duas vezes). E depois da visita? O que acontecia com as crianças? Essa questão nos incomodava muito naquele tempo. Poderíamos oferecer mais. O projeto pedia mais qualidade e menos quantidade. O que fazer?

Em 2007, aportamos na Ceilândia, cidade do entorno de Brasília com altos índices de violência e onde as crianças não têm acesso a tantos bens culturais. A Ong Pró Gente nos ofereceu um lugar acolhedor e escolhemos 30 crianças para o projeto. Semanalmente acompanhamos a evolução destes meninos e meninas. O apego com o livro, o desenvolvimento da leitura de cada um, o prazer em levar o livro para casa, a melhora nos relacionamentos entre eles e entre todos nós. Posso dizer que os Roedores de Livros também aprenderam muito com as crianças. No final do ano, uma notícia nos surpreendeu: a Ong informou que a sede seria vendida para uma universidade particular. Tivemos que somar a preocupação em conseguirmos outro local ao desafio seguinte do projeto: implantar uma biblioteca pública de literatura infantil, aberta de segunda a sábado,com atividades que envolvam além das crianças do projeto, outros meninos e meninas, oriundos das escolas públicas das redondezas. Quem sabe até uma parceria com os professores da rede pública de ensino. Mas esta é uma conversa para outra hora.

Vieram as “férias” de dezembro e janeiro. Quando fevereiro chegou, Célio, Edna, Eu e Tino arregaçamos as mangas para procurar um novo cantinho para abrigar o projeto. Queríamos continuar na Ceilândia, próximo ao local anterior para seguirmos com os meninos do ano passado, além de receber novos amigos. Foi aí que uma pequena mágica aconteceu: envolvida com outros assuntos, fui com o Célio visitar uma instituição. E a foto acima mostra como fomos recebidos. Meu coração bateu mais acelerado. Esperança. Por enquanto, estamos na fase do namoro. Mas acredito muito que dará certo. Torçam daí que até segunda-feira a gente deve espalhar por aí quem será nosso novo parceiro. Por enquanto, guardem consigo estes sorrisos. Eles têm uma força indescritível. E viva aos que trabalham sério em prol da criança. Aprendamos com eles.

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Cata-vento e passarinho

É muito difícil falar do trabalho de quem a gente gosta tanto. Manter uma certa distância, quando se quer mesmo é ficar perto. Coisas de saudade, admiração e amizade. Talvez por isso demorei a escrever sobre Um Pé de Vento (texto e ilustrações de André Neves, Projeto), que há meses acarinha os sentidos de todos aqui em casa. Ele, o livro, não aceita a estante. Está sempre de lá pra cá como folha no bico de um pardal, ou nos braços de um cata-vento. Uma hora está no quarto, outra na sala, vez em quando passeia na rua, mas sempre ao alcance dos olhos. André, é querido dos Roedores. Por isso a saudade e o cuidado descritos acima. Hoje de manhã o Mozart resolveu tocar alguns de seus Divertimentos e a casa ganhou ares de campo. Abri as janelas. Pude sentir o perfume da relva. Com o olhar distraído, nem vi quando o livro chegou aos meus braços. Mas, assim, como quem não quer nada, Mozart, André Neves, o vento e o livro pousaram e buliram com as minhas emoções.
Neste livro, o autor nos oferece várias leituras. O texto, fala da menina Íris que conversa com árvore e adora girar cata-vento. Fala do encontro da menina com o menino Cristalino. Árvore, menina e menino são cúmplices desta história de amor. Amor de criança. O susto da descoberta, o prazer de estar junto e a hora de ficar sozinha. Sozinha? Não é bem assim. André tem exercitado sua prosa cheia de poesia que a cada livro fica mais bonita e cheia de surpresas. Numa segunda leitura, você percebe que não deu atenção ao tempo, ao vento... Vai descobrindo as sutilezas e o livro fica ainda mais bonito.
As ilustrações são primorosas. Eu tenho paixão pelas árvores de André. Ele consegue texturas incríveis trabalhando com diferentes tecidos. Seu traço, inconfundível, ganha contornos fantásticos com riquezas de detalhes. Observe as rendas que passeiam pelo livro. Imagine o cuidado para fazer a grama com picotes de papel. Tanta beleza é de arregalar os olhos. Experimente, então, ler o livro só pelas imagens. Elas também contam uma história. Os cabelos da menina estão sempre ao sabor do vento. Do meio pro fim, André nos apronta mais uma de suas peraltices. Desde o momento em que Cristalino aparece, o menino segue acompanhado de um pássaro e a menina, de um cata-vento. Eles brincam juntos até a penúltima página. No fim, desaparecem o menino e o cata-vento. A menina Íris corre de volta pra casa na companhia do pássaro. Não está sozinha. Cristalino segue “grudado nos olhos da menina”.
Este André Neves é mesmo cheio de histórias. Carrega-as consigo quase em segredo. Mas são tantas que, ora escapole uma, ora escorrega outra pela seiva da sua imaginação. Seiva porque em André o corpo é parecido com a árvore de Íris. Traz enraizadas “histórias que enchem aos poucos o coração e deixam os olhos com uma luz especial”. Somos curiosos, André. Queremos mais. E menos saudade.
P.S. Nesta foto, uma noite plena de histórias na casa de outra Íris, a Borges, em novembro passado. Ana Paula, Íris, Ana Claudia Ramos, André Neves e euzinho. Tudo de bom!!!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Tloc e pluf...

Novamente me entreguei ao prazer de ler Monteiro Lobato. Incrível como o seu texto me conquista mesmo tanto tempo depois. Agora, recomeçando a ler o Reinações de Narizinho, me vi Lúcia, a Narizinho, me fartando embaixo do pé de jabuticaba. Coisa que ainda faço hoje, como na foto abaixo, tirada no último 25 de dezembro. Sabor de infância, sabor de boa literatura, sabor de felicidade, pois ainda me vejo moleca. Sabor que divido com vocês agora. Vai uma jabuticaba aí? Se não tiver, pesca o Monteiro Lobato aí da estante e leia um pouquinho, só pra deixar o domingo ainda mais gostoso. Ah... o Sítio do Lobato não está assim tão ao alcance? Então saboreie um pouco do gênio:
No sítio de Dona Benta havia vários pés, mas bastava um para que todos se regalassem até enjoar. Justamente naquela semana as jabuticabas tinham chegado “no ponto” e a menina não fazia outra coisa senão chupar jabuticabas. Volta e meia trepava à árvore, que nem uma macaquinha. Escolhia as mais bonitas, punha-as entre os dentes e tloc! E depois do tloc, uma engolidinha de caldo e pluf! – caroço fora. E tloc,pluf, -tloc, pluf, lá passava o dia inteiro na árvore.” (Reinações de Narizinho; Jabuticabas. Monteiro Lobato).
Ê vida boa!!! Tloc e Pluf pra vocês. Hatuna Matata!!!

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Poesia é voar fora da asa.

Hoje eu tomei ares de passarinho. Ganhei uns anos pra trás. Virei menino e desaprendi. Inocência. Independência. Infância. Hoje eu mergulhei feito borboleta no ar. Sem medo de me afogar. Arrepio de quem escuta as cores no quebrar das ondas do mar. É que hoje, na livraria, sentado no chão feito criança, passei a tarde na companhia dos livros de Manoel de Barros. Tantos. Que tenho em casa. Que sei de cor. Que guardo no desejo de quem sabe, um dia. E aí, fiquei assim: bobo, tonto, livre. Feliz. Obrigado, Poeta.

P.S.1. O título deste post é de autoria de Manoel de Barros e foi compilado do Livro das Ignorãças (sic).

P.S.2. Na imagem acima uma brincadeira com a caricatura do Poeta Manoel de Barros feita por Ziraldo no livro O Fazedor de Amanhecer e eu, ali, pequenininho, traço querido do amigo Ivan Zigg.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Tão bom que fiquei chato!

Recentemente descobri o livro Historinhas em Versos Perversos (Roald Dahl, com ilustrações de Quentin Blake, Salamandra) e fui acometido da chatice de quem adora um livro e sai espalhando para todos, sejam amigos ou estranhos. Na sessão de literatura infantil na livraria, eu não podia ver alguém próximo, com aquela cara de dúvida dobre qual livro levar, que eu chegava de mansinho com os versos perversos em mãos e lia uma história. Pronto. As dúvidas sumiam da vista do leitor e ele saia folheando o exemplar em direção ao caixa. Não foram poucas as vezes que li para os amigos em casa ou num café (sim, o livro passeou por dias na minha maleta). Geralmente, eu contava duas histórias de uma vez só: Chapeuzinho Vermelho e o Lobo e Os Três Porquinhos. As minhas preferidas.
Bem, depois desta revelação você deve ter torcido o nariz dizendo: - Ah, mas estas histórias o mundo inteiro já conhece!!! Pois é! E esta é a graça maior e a grande sacada de Roald Dahl. O autor reconta estas e mais quatro histórias em versos e rimas, tudo com muito ritmo, porém, fora do script que todos conhecemos. O príncipe de Cinderela tem mania de cortar cabeças e a nossa pobre heroína se casa com um vendedor de geléias. João, aquele do pé de feijão, não gostava de tomar banho e fedia como um gambá, por isso o gigante sentia o cheiro dele de longe. Em Branca de Neve, o tal espelho mágico vira um oráculo para que os anões apostem nas corridas de cavalos. E Cachinhos Dourados se transforma numa menina mimada, enxerida, ranheta, ladrona e esperta. Mas não pense que eu estraguei as surpresas do livro. Há muito com o que se surpreender.

A tradução cuidadosa de Luciano Vieira Machado mantém o humor e a sagacidade do texto original, lançado em 1982. Parceiro de Roald Dahl numa trilha de sucessos literários, assim como Roberto e Erasmo Carlos são na música, o ilustrador Quentin Blake não deixa a desejar e compõe com maestria os espaços destinados aos desenhos. Só sinto que a edição em português não tenha o cuidado gráfico da edição inglesa. Nesta, há mais ilustrações e o formato é maior. O mais intrigante é que, se a língua inglesa não for uma barreira para você e seu filho, a edição importada sai por quase o mesmo preço da nacional. Mas estas comparações não diminuem, de forma alguma, a força que este livro tem em encantar adultos e crianças.

Experimente uma leitura em voz alta. O ritmo, as rimas e o novo enredo que Roald Dahl imprime às velhas histórias são capazes de viciar. Mas tome o cuidado para não se transformar num cara chato que aborda as pessoas indecisas no meio da livraria. Esse papel já é meu!!! Hatuna matata!

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Entre para a turma!!!

Antigamente a gente formava grupos de amigos na rua de casa. Quando o perigo começou a se avizinhar da rua, a turma passou a se formar nos prédios de apartamentos. Os que ainda moravam em casas ficavam reféns do irmão ou da irmã para formar uma turma de dois, três... Com a modernidade, também surgiram as turmas da internet. No meio de tantas mudanças, uma turma nunca sofreu abalo algum: a da escola.

Desde a terceira série minha turma no colégio era formada por mim, Odailton, Bertolino, Rivelino, Edson, Alírio, Arcelon e outros colegas. Na turma tinha o gordinho, o inteligente, o atleta, o puxa saco e outros tipos. Assim era naquele tempo e acredito que assim é até hoje nas escolas do mundo inteiro. Amigos, seguimos juntos até a oitava série. Foram inúmeras as aventuras que vivemos naquele início da década de 80 que trouxe um novo universo infanto-juvenil com a chegada do vídeo game, da BMX, da Turma do Balão Mágico na TV, dos Trapalhões e do Trinity no cinema.

Na turma do Pequeno Nicolau (René Goscinny, com ilustrações de Sempé, Martins Fontes) não foi diferente: O Agnaldo era o primeiro da classe; o Godofredo tinha pai rico; o Eudes era muito forte;o Alceu passava o dia comendo e era gordo; o Rufino era filho de um policial e o Clotário era o último da classe. O tema, universal (as aventuras da turma da escola), até que ajuda a fazer deste livro um sucesso. Publicado na França em 1960 ele ainda hoje oferece tantas delícias.

O autor, que “fala” através da voz e pensamentos do pequeno Nicolau, consegue o mais difícil e sensacional: imaginar idéias e atitudes que só poderiam sair da cabeça de uma criança. E estas crianças são “criativas” como as que tenho em casa. Como a que fui um dia. São crianças comuns que brigam de brincadeira, que enxergam os adultos e suas atitudes de forma diferente. Que dizem o que vem à cabeça sem nenhum constrangimento. São as tais “verdades infantis” e elas se revelam por todo o livro, arrancando principalmente gargalhadas do leitor, seja ele criança ou adulto – sim, eu ri alto até dentro de um ônibus!!!

Nos anos 70, a série de histórias curtas do Pequeno Nicolau foi publicada no Brasil pela Editora Artenova em dois volumes, com tradução de Marcelo Corção. Hoje, você pode ter a sorte de encontrá-los em algum sebo. Atualmente os direitos deste livro pertencem à Martins Fontes que adotou uma nova tradução – de Luis Lorenzo Rivera - e dividiu as histórias em cinco volumes: O Pequeno Nicolau, As férias do Pequeno Nicolau, Novas aventuras do Pequeno Nicolau, O Pequeno Nicolau e seus colegas e O Pequeno Nicolau no recreio .

No primeiro volume, 19 histórias geniais. Fui visitar o Agnaldo e Luisinha contam as visitas e peraltices do Pequeno Nicolau na casa dos amigos. Foi muito divertido fala de um dia em que o protagonista e seu amigo Alceu resolveram faltar à aula. Os boletins... bem, este nem preciso dizer sobre o que é. Os caubóis é a síntese da brincadeira de criança. O futebol... Impossível não rir. A bicicleta mostra o que pode acontecer quando os adultos interferem na brincadeira das crianças... É hilário. Mas não é bobo. As ilustrações de Sempé compõem o conjunto como se fossem três cubos de gelo e uma rodela de limão num copo de coca-cola. Beba tudo!!! Vai valer cada centavo. Diversão em palavras para a família inteira.

Se a rua ficar perigosa, os amigos do prédio viajarem por alguns dias e a escola entrar em férias, não se preocupe. Faça amizade com a turma do Pequeno Nicolau. Você pode levá-los para o quarto, para a sala, para a casa da tia, para onde quiser. E o que é melhor: vai fazer os adultos olharem admirados para você e soltarem a seguinte frase: - Olha como ele é inteligente!!! Aí, capriche na cara de intelectual, engula o riso e continue brincando com sua nova turma. Ler também pode ser uma brincadeira mais que divertida!!!

P.S. René Goscinny, criador do Pequeno Nicolau, é também o autor dos textos de Asterix. Você não conhece as aventuras do personagem Gaulês? Também vale à pena. Comece por Asteriz, o gaulês. Suas personagens já foram ao cinema e ganharam uma série de desenhos animados, mas o melhor são as Histórias em Quadrinhos.

P.S.2. Na primeira foto, euzinho da Silva, na tradicional pose de estudante... nos tempos da turma da escola!!!