Tem gente que diz que não daria para o seu filho ler os livros infantis de Wander Piroli (foto acima). Mas o menino passa a manhã na frente da TV assistindo a socos, bombas e pontapés superpoderosos. E essa gente inteligente acha normal tudo aquilo. Afinal de contas, todo mundo vê.
Tem gente que não adotaria para a biblioteca escolar das crianças os livros infantis de Wander Piroli. Mas a turma de pequenos inocentes (eu juro que vi) faz aulas de educação física ao som de “tô ficando atoladinha”. E essa gente inteligente acha normal tudo aquilo. Afinal de contas, todo mundo ouve.
Tem gente que não leria de jeito nenhum os livros infantis de Wander Piroli para as crianças pois é preciso proteger suas mentes inocentes das agruras da vida. Mas em casa todo mundo diz palavrão, ou sabe dizer ou finge que não sabe. E essa gente inteligente acha normal tudo aquilo. Afinal de contas, todo mundo diz.
Anormal mesmo é o Wander Piroli – diz essa gente inteligente. Um gênio da literatura – eu digo. Mas acho legal quando mostro algum livro do autor mineiro e alguém diz: “Não gostei do que li!” É legítimo não gostar. E tem gente inteligente que não gosta dos textos infantis do Wander Piroli simplesmente por que não gostaram. Questão de gosto. Eu respeito.
Agora, euzinho sou fã. Acho o texto dele uma obra de arte. Meu filho leu O Matador e nem doeu assim, nele. Acho que doeu mais em mim. E por falar em “O Matador”, para mim, foi o melhor livro do ano passado – de tudo o que eu li, infantil ou não. Texto, ilustração, projeto gráfico… tudo lindo, feito para emocionar.
No 11º salão FNLIJ do livro para crianças e jovens tive o prazer de reencontrar o ilustrador Odilon Moraes (última foto, abaixo). Estávamos no mesmo hotel. Conversamos sobre muitas coisas mas foi a obra do Wander Piroli que tomou conta das horas. É que, além de fã recente – como eu -, Odilon acabara de ilustrar a nova edição de Os Dois Irmãos – mais um texto do polêmico autor (publicado originalmente em 1980 com ilustrações de Ângela Lago).
O livro ficou muito bonito. Mais uma vez, o texto encontrou um projeto gráfico à sua altura e Odilon deixou algumas surpresas para os olhares mais atentos. Mas não é preciso ser um expert para se emocionar com a história de dois frangos, irmãos “iguais em tudo. Dos pés à cabeça”. Sempre juntos, compartilhando a vidinha simples ali no meio da oficina mecânica. Vez em quando um passeio na rua. Vez em quando o quintal e o poleiro improvisado no pé de manga.
Porém Wander Piroli não poderia deixar a história assim tão açucarada. Apesar de escrever sobre dois frangos, a sua literatura não tem muito de fábula – fantasia cheia de moral e bichos. Nem de contos de fadas, repleto de finais felizes. Afinal, a vida real está repleta de histórias em que há felicidade. Mas, nem sempre eterna. Então, o inesperado acontece. Parece óbvio, mas o fato não aparece no texto. Parece óbvio, mas não está explícito na ilustração. E, ao final, o autor convida o leitor – criança, jovem ou adulto – para terminar a história ao seu modo.
Toda essa gente inteligente que vê, que ouve e que diz, pode também ler textos inteligentes. Os Dois Irmãos é boa literatura para todas as idades. Odilon Moraes ilustra com a mesma precisão literária de Wander Piroli. O leitor não termina sua leitura e fica indiferente. Incomoda. Por isso, não espere que este livro, ou O Matador, ou Nem Filho Educa Pai (que está a caminho) façam parte das listas de livros premiados que pululam por aí. Mas, assim como aconteceu comigo ao ler A Pequena Vendedora de Fósforos, de Andersen, é possível que uma criança tenha os livros de Wander Piroli como ítens preciosos da lista de bons livros da sua vida. Hatuna Matata.
P.S. Para os mais velhos, a Leitura também reeditou dois livros de Wander Piroli com contos adultos, reunidos numa só edição. VEJA AQUI.
P.S.2. Escrevi este texto inspirado no que Cristiane Rogério do Blog Ler para Crescer publicou ontem (29/07) – citando Ilan Brenman. Vale para todos os amantes dos seus filhos queridos e da boa literatura.