terça-feira, 22 de abril de 2008

"Um livro é pouco para uma semana"...

Foi exatamente no dia 19 de abril de 1994 que comprei o primeiro livro infantil para Ana Cecília, minha filha, então com seis anos. Lembro como se fosse ontem. Deliciosamente, foi um livro de Jô Oliveira: Kuarup, a festa dos mortos – lenda dos povos indígenas do Xingu. Ele era meu professor no curso de Artes Plásticas da UnB e convidou a turma para o lançamento do livro que aconteceu inusitadamente numa loja do McDonald’s aqui em Brasília. Coisas da vida. É impressionante como o sorriso de Jô e o seu autógrafo no livro ficaram marcados também na memória da minha filha. Há alguns anos eles se reencontraram e ela lembrou da história do livro e do delicioso programa de índio daquele 19 de abril.

No último sábado, também um 19 de abril, saí para o projeto com alguns livros escolhidos em torno das coisas indígenas e, é claro, levei o meu – e da Ceci – Kuarup à tiracolo. Também levei um maracá que trouxe do Amazonas. Para quem não conhece, o Maracá é um chocalho indígena, utilizado em festas, cerimônias religiosas e guerreiras, que consiste em uma cabaça seca, desprovida de miolo, na qual se metem pedras ou caroços.

Nossa sala, na Creche Comunitária da Criança, ainda está sofrendo os ajustes e, mais uma vez, recebemos as crianças na área externa, à sombra de uma árvore. A sombra quase foi completamente ocupada pois havia um número maior de crianças do que na semana passada, embora ainda não fossem as 30 desejadas. É que algumas ainda não souberam da retomada do projeto. Outras, mesmo sabendo, ainda não apareceram. Mas, novas crianças aportaram por lá. Com isso, o projeto segue enriquecido de olhares curiosos.

Comecei os “trabalhos” falando do meu reencontro com o livro infantil há 14 anos naquele lançamento do Kuarup. Mostrei o livro, o maracá e falei que dia desses vou levar o Jô Oliveira para mostrar seus livros no projeto. O livro passou de mão em mão. Eles adoraram as ilustrações coloridas, mas queriam mesmo era conhecer a história. Lá fui eu me aventurar a falar de Mavutsinim, o herói mítico dos índios Kamayurás e a Festa dos Mortos, o Kuarup. Tocamos o maracá, falamos sobre a outros assuntos relativos à cultura indígena. Mas não paramos por aí. Os meninos queriam mais. E nós também.

Jardson, um dos garotos do projeto, não desgrudava do Baú. Sentou-se em cima dele. Quis abrí-lo a todo instante. Descobrir mais sobre os livros. Eu tento controlar a sua vontade e conto As duas cobras encantadas do livro O Caçador de Histórias (Yaguarê Yamã, Martins Fontes). Falei que nós conhecemos o autor no Salão da FNLIJ no Rio de Janeiro ano passado e nosso moleque querido não resistiu e disse: "Ô Ana Paula, eu também quero ir para o Salão". Seria ótimo, não é?! Bem, enquanto isso não acontece a gente segue fazendo o possível.
Para encerrar a mediação, escolhi ler O Calça Molhada, do livro Amazonas – no coração encantado da floresta (Thiago de Melo, Cosac & Naify). O conto fala sobre o boto cor-de-rosa (ou avermelhado) e seu poder de sedução. Conversamos sobre outros mitos indígenas e as crianças puderam dividir conosco o que ouviram em sala de aula esta semana. A sombra da árvore nunca aprendeu tanto quanto naquela manhã.
Depois de tanta conversa, abrimos o baú. De lá, saíram vários livros, mas o que mais impressionou as crianças foi O Livro das Árvores (feito pelo povo indígena Ticuna, organizado por Jussara Gomes Gruber, Global). Os olhos brilhavam ao folhear as ricas ilustrações, porém não havia tempo para mais histórias. Foi então que saiu a frase que valeu o dia. Talvez, o ano.

Era hora das crianças escolherem os livros para levar para casa quando ouvimos: “Tia, um livro é pouco para uma semana”. E assim, a partir daquele sábado, elas passam a levar para casa dois livros por semana. Sobre isso a Edna escreveu: “Desde o princípio de nosso projeto, o livro foi apresentado das mais variadas formas no sentido de promover o gosto, o encantamento pela leitura entre essas crianças carentes de emoções prazerosas. Emoções essas que, sabemos, uma leitura pode proporcionar. Hoje, nossa alegria é real. Em nossas crianças, a leitura é fonte de prazer”.

Edna, em sua avaliação do nosso segundo encontro deste ano, observa outras mudanças: “Logo no início do projeto, em 2006, as crianças se mostravam tímidas. Alegravam-se com as histórias, participavam com suas perguntas. Mas ainda de forma tímida. Hoje, percebemos uma grande mudança. As crianças dão às suas asas – sim elas as têm, como os anjos - sua verdadeira função diante de um livro: voar. Já não voam nas asas das nossas palavras. Querem aprender a voar. Elas querem ler. Não somente ouvir. Voam com seus olhos e fala. Neste sábado, 19 de abril de 2008, dia do índio, novamente aconteceu essa manifestação. Elas querem voar através da leitura. Queremos vê-los lá no alto do céu. Bem alto”. Hatuna Matata.

2 comentários:

Lígia Pin disse...

Ô meus deuses... esse livro do Quarup eu não conheço não... vou procurar por aqui.
Beijoca

Fátima Campilho disse...

Olá,
Li todos, menos um:Karup do Jô. Vão reeditar?
Essas crianças maravilhosas existem?
Tudo é resultado do trabalho de vocês.
Abraços.