quinta-feira, 3 de abril de 2008

Saudades, guri. Saudades.

"Foi uma jornada e tanto. Daquele 23 de fevereiro de 2002, com uma apresentação sensacional da Elisa Lucinda, até hoje, 31 de março de 2008, a Esquina da Palavra valeu uma vida. Estou fechando a livraria com um tremendo orgulho por esse período todo. A alegria que encontrei aqui, os amigos que fiz, a pequena parcela na vida de cada um de vocês, os livros editados, os autores que aqui autografaram - não tenho como não falar da Valéria Grassi, das adrianas Falcão e Lisboa, do Marçal Aquino, do Bonassi, do John Gledson, do Ismail Xavier e tantos outros que é até injusto citar só alguns -, leram seus livros, beberam e curtiram esse canto de Brasília, até mesmo essa agonia financeira que muitos de vocês viram acontecer, tudo isso vai ficar para sempre comigo."

Com estas palavras, nosso querido Lourenço Flores inicia sua carta informando o enceramento das atividade da nossa livraria de estimação Esquina da Palavra. Todos sentimos muito. Ao mesmo tempo, conhecemos as dificuldades e torcemos para que o amigo siga seu caminho sem tantos obstáculos. Para não me demorar nas palavras, copiamos texto da jornalista Conceição Freitas publicado ontem no jornal Correio Braziliense. Assinamos embaixo. O resto é silêncio.

"Acabou um paraíso

Se o paraíso é uma espécie de livraria, como dizia Jorge Luis Borges, uma espécie de paraíso acabou de acabar, a livraria Esquina da Palavra, na 405 Norte. O mesmo Borges inventou uma biblioteca de Babel, muito gigante, onde caberiam todos os livros que foram escritos e os que ainda vão ser, todas as histórias de todas as pessoas, tudo o que cada uma viveu e o que cada uma poderia viver.

A biblioteca do Borges ocupa salas hexagonais, como uma colméia, cada uma delas com o mesmo número de prateleiras, que se repetem ao infinito. Livros sobre todos os temas que pertencem ao mundo, os que não pertencem, os que já pertenceram e os que ainda vão pertencer. Muitos totalmente aloprados, mistura de todas as combinações de letras, de tal modo que é impossível lê-los.

Claro que a biblioteca de Borges é uma metáfora. Do universo, dizem. Da complexidade e infinitude do cosmos e de todas as possibilidades imagináveis e inimagináveis de tudo que o contém. Hoje já tem gente aproveitando o conto para uma metáfora da internet , a rede de compartimentos infindáveis.

A biblioteca de Babel é aterrorizante. Ela existe para nos avisar de que o todo é inalcançável e maluco de quem imaginar que pode dominar o conhecimento completo de tudo o que existe no cosmos.

A Esquina da Palavra era uma livraria sem a ambição inexeqüível da completude. Fez escolha: literatura, com exceção para livros importantes de áreas do conhecimento. A Esquina da Palavra era teimosa: quis manter acesa a idéia de uma livraria que não despeja sobre a cabeça do leitor uma quilométrica oferta de títulos de interesses tão múltiplos quantos são os humanos sobre a Terra. Uma livraria que acolhe o leitor um a um, com o comedimento e a intimidade que ficam muito bem numa livraria.

As grandes redes de livraria são de uma comodidade difícil de escapar. Têm o título que eu procuro e se não têm, encontram, caso não esteja esgotado. Dão descontos que só as grandes redes podem oferecer. Mas são tão sufocantes quanto o Google com seus 4.330.000 resultados para a palavra livraria. A multidão de capas e títulos nas prateleiras e balcões me transformam numa formiguinha que perdeu o caminho de casa.

A Esquina da Palavra, paraíso que acabou nesta segunda-feira, era reconfortante como uma casa, estimulante como um mestre, e deixava cada um de nós do tamanho de nós mesmos — e com a ponte sempre aberta para o reencontro silencioso com a nossa própria humanidade, que é o que um bom livros nos dá, e até um ruim, tão bom é ler um livro.

Nos seis anos, um mês e oito dias de vida, a Esquina da Palavra fez encontros inesquecíveis de gente como Adriana Falcão, Adriana Lisboa, Marçal Aquino e shows igualmente marcantes, até mesmo o improvável encontro do senador Eduardo Suplicy com o também senador Marco Maciel, acompanhados pelo Supla e pelo João, os filhos. Mas acabou."


Por fim, se você estiver em Brasília no próximo final de semana, aceite o convite do Lourenço e apareça para a despedida:
"Nos próximos sábado e domingo, dias 5 e 6, a partir das 9h, estarei fazendo uma queima dos livros que ainda tenho aqui - todos com 50% de desconto. Quem quiser, por favor apareça".

P.S. Lourenço e sua Livraria foram citados algumas vezes aqui no blog. Uma dessas postagens você lê AQUI.

2 comentários:

Lígia Pin disse...

Isso sim é uma notícia triste de ler!! Me fez lembrar a aconchegante livraria da Meg Ryan do "Mensagem para você", que disputava o aconchego das prateleiras de madeira e dos momentos de leitura compartilhada com a exuberância da nova megalivraria que Tom Hanks abriria logo ali, na esquina...
O bom é que a livraria do Lourenço não foi apenas um filme, e que tenha feito parte da vida de cada felizardo que teve a oportunidade de visitá-la pelo menos uma vez. Que vontade de voar até Brasília só pra me despedir dela..
Um grande beijo!

Fátima Campilho disse...

Olá!
É triste assistir ao fechamento de uma livraria, de um teatro, de um cinema.
Só uma curiosidade: o que vai abrir lá?
Abraços.