Não tive a oportunidade de ler PÍPPI MEIALONGA aos 10, 12 ou 15 anos. Acho que a personagem seria uma companheira e tanto naqueles anos. Certamente não existia um exemplar na biblioteca da minha escola (li quase tudo de lá). Mas a personagem do clássico livro que a sueca Astrid Lindgren publicou em 1946 me encantou em 2002. Aquela leitura transportou meus pensamentos para os anos em que minha infância fazia fronteira com a adolescência quando, de certa forma, eu estava sozinha no mundo. Sozinha com minhas idéias, com meus sonhos. Lembrei que vez em quando queria ficar só por um bom tempo, livre para brincar o tempo que quizesse, tomar banho de três em três dias, comer fora de hora e ter quantos bichos de estimação coubessem na minha vontade. Coisas de criança.
A vida de Píppi é um pouco fora dos padrões: mora na Vila Vilekula na companhia de um cavalo e do Sr. Nilson, seu macaco de estimação. E os seus pais? Sua mãe havia morrido quando ela ainda era um bebê e seu pai, um capitão de navio que sumiu depois de uma tempestade, sobrevivera ao naufrágio e, desde então, se transformou no rei dos canibais de uma ilha distante. Antes de sumir, deixou uma arca cheia de moedas de ouro para a filha que passou a ser dona do seu nariz, embora toda a cidade estranhe aquela situação. Quando a coisa parece que vai desandar, ela diz: “não se preocupem comigo, eu sempre dou um jeito”. E ela dá mesmo.
Píppi tem um jeito especial de se vestir, é forte o suficiente para carregar seu cavalo nos braços e – acima de tudo - é uma exímia contadora de histórias. Afinal de contas, viajou o mundo inteiro no navio de seu pai. Quando seus vizinhos, os pequenos irmãos Tom e Aninha, tentam colocar um pouco de realidade na vida fantasiosa de Píppi, ela sempre sai com uma tirada incrível. Depois diz que não faz mal mentir um pouco. E afirma que “no Congo Belga não há uma única pessoa que diga a verdade. Todo mundo mente o tempo todo.” O texto - com tradução direto do sueco por Maria de Macedo - é genial, repleto de bom humor e frases cheias de genialidades infantis que nos fazem retornar aos tempos de meninice. O capítulo que relata sua ida à escola é o meu favorito. Mas o livro todo é delicioso. Passaporte direto para a infância feliz, sem preconceitos, sem dogmas, sem tritezas. Assim, a vida é boa. Mais ainda quando se é criança.
Há alguns dias, acompanhando as tarefas da escola de minha filha Júlia, vi que ela carregava a Píppi Meialonga à tiracolo. A mesma edição de capa laranja, com ilustrações de Michael Chesworth, que eu havia descoberto em 2002. Perguntei se a professora tinha mandado ela ler aquele livro e ela respondeu que não. “Eu que escolhi este”, disse a minha menina. Fiquei pensando no que se passava no fundo dos seus olhos enquanto lia a história de uma menina inteligente, poderosa e capaz de jogar um menino do chão para o topo de uma árvore. Advinhando meus pensamentos, Julia disse – apertando seus olhinhos cor de jabuticaba e segurando um riso sarcástico: “estou adorando”. Não pude deixar de compartilhar meu sorriso com o dela.
Passadas algumas semanas, Píppi esteve novamente em nossas vidas. Eu passeava numa livraria com o Tino quando me deparei com a novíssima edição brasileira que conta com a mesma tradução da anterior, porém num acabamento de luxo que conta com capa dura, sobre capa, um formato maior, papel especial e com ilustrações coloridíssimas de Lauren Child (aquela que também escreve e ilustra Charlie e Lolla e Clarice Bean). O projeto gráfico possibilita que, muitas vezes, texto e ilustração façam parte de uma mesma linha do enredo. Não é só ilustrar o que está escrito e sim fazer parte da história. Confesso que num primeiro momento achei tudo a cara dos personagens tradicionais da ilustradora, mas aos poucos fui pescando as sutilezas. A nova edição é um primor. Veio correndo aqui para casa e o Tino foi, enfim, conhecer a famosa aventura da menina superindependente.
No meio disso tudo, Júlia apareceu com um trabalho da escola que pedia para que o aluno criasse algo sobre algum livro que tivesse lido este ano. Não foi surpresa a escolha dela: Píppi Meialonga. Aí eu improvisei uma peruca cor de cenoura, um vestido colorido, os sapatões do Tino agasalhando meias do Fluminense (sim, ela é uma fiel tricolor). Minha menina tinha o seu Sr. Nilson de pelúcia agarrado ao seu pescoço. A noite anterior à apresentação foi uma festa aqui em casa. Píppi reinou mais uma vez, 60 anos depois, incorporada por todos nós, encantados com sua história fantástica.
É incrível pensar que a Imprensa Oficial da Suécia, ao receber os originais do livro em 1944, recusou sua publicação e ainda recomendou por escrito: “Esperamos que isto não seja mostrado ao Comitê de Bem-Estar da Criança”. Um ano depois, Astrid enviou seu texto para um concurso de uma editora. Ganhou o primeiro lugar e a publicação no ano seguinte. Píppi hoje mora no coração de crianças e adultos em mais de 70 países. Experimente brincar com seus filhos de fazer biscoitos de canela à moda Píppi ou de personificar os “encontradores de coisas” pela estrada a fora. E se você achar que isso pode ser um problema, inspire-se na pequena Píppi. Ela sempre dá um jeito. Hatuna Matata!!!
P.S. Enquanto escrevia este texto, o CD do VINCE GUARALDI TRIO, A BOY NAMED CHARLIE BROWN descia gostoso por meus ouvidos, recheando-os com os maravilhosos temas instrumentais que ouvíamos nos geniais desenhos do SNOOPY e sua turma.
2 comentários:
Olá Tino e Ana Paula, como vão? obrigada pela visita ao meu blog. Saibam que eu sempre passo por aqui também! Abraços, Camila
Muito bom esse post. Sabe que a Pipi já circulou por perto de mim várias vezes e eu acabei sempre adiando? Mas depois desse post, claro que quero levá-la pra casa. Quem primeiro me falou nela foi o queridíssimo Roger Mello (João por um fio, Zubair)numa palestra que está disponível no site do Instituto Embratel. O Roger é outro que é apaixonado por ela.
Bj e obrigada
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