


Aqui em casa não faltam caixas. São muitas. De vários tamanhos. Eu mesma as faço. Adoro imaginar o que cada uma vai guardar. Escolher o tecido ou o papel que vai envolver o marrom do papelão. Algumas ficam fechadas por muito tempo. Outras, quase não descansam a tampa. É o caso da caixa que guarda (?!?!) os livros que esperam a vez de nos encantar com suas histórias. Em seu interior, acumulam-se os volumes que ficam numa fila desorganizada. Uns pulam na frente, outros se escondem no fundo... vez em quando eles aprontam uma surpresa. Foi o que aconteceu hoje.
Trouxe Valentina para a cama e ela reconheceu o cheiro de abraço amarrotado. Deitei o olhar em suas páginas. Conheci e me encantei com a menina-princesa, moradora de um castelo localizado na beira do longe, lá depois do bem alto. O rei e a rainha, pais de Valentina, faziam algo que a intrigava: desciam do castelo todo dia para trabalhar. Ela não entendia bem o porquê. Assim como estranhava ter que esconder sua beleza que não cabia em página de livro. A menina morava longe de Tudo. Até que um dia foi com os olhos e os pés conhecer Tudo de perto. Lá, descobriu que todas as meninas daquele lugar sonhavam em ser princesa. Mas a menina Valentina já era princesa e morava num castelo logo depois do mais longe de Tudo.
Dia desses, em Fortaleza, reencontrei o casal Andréia e Flávio Paiva. Andréia, é jornalista com quem tive o prazer de trabalhar nos primórdios da Rádio Extra,
Passado um tempo, a aeromoça se dirige aos dois, munida com um olhar fuzilador de reprovação voltado para Flávio. Perguntou ao menino se ele conhecia MESMO o homem da capa da revista: – Claro que conheço o Nóbrega!, disse a criança. O olhar ameaçador ganhou as seguintes palavras nos lábios da aeromoça: - O senhor não tem vergonha de deixar um menino desta idade assistir TV até tarde, não? E logo a Praça é Nossa?
Foi então que pai e filho entenderam tudo. A aeromoça não se deu ao trabalho de ler a reportagem que ilustrava a capa da revista da sua empresa. Se não, pelo menos ficaria intrigada com o texto comemorativo sobre os 100 anos do Frevo. Só conseguia imaginar que o Nóbrega da revista – apesar da foto mostrar o contrário – era Carlos Alberto de Nóbrega, humorista do SBT. Flávio e seu filho se entreolharam e guardaram um sorriso no olhar. Sorriso que aflorou novamente ao cruzar com a moça no desembarque. Ela, de fato, não conhecia nenhum dos Nóbregas desta história. E apesar da aeronave em solo, ela – a moça – provavelmente ainda estava com a cabeça nas nuvens.
O teste final para saber se uma história é boa ou não é levá-la a uma roda de ouvintes e contá-la para o grupo. Normalmente as crianças do projeto Roedores de Livros são agraciadas com nossas descobertas literárias. Algumas histórias dispersam, outras exigem a concentração que só uma leitura individual pode oferecer. Muitas, encantam. Neste final de ano, com o projeto em recesso, tive que apresentar nossa última descoberta a dois grupos distintos, formados por adultos e adolescentes. O resultado foi o mesmo: espanto, arrepios (mesmo!!!), curiosidade e, por fim, o livro circulando de mão em mão como um troféu. Era um exemplar de SETE OSSOS E UMA MALDIÇÃO (Rosa Amanda Strausz, Rocco).
Ele chegou em casa na sexta à noite, um dia sugestivo para um livro de terror. Este gênero mexe com a garotada. Sempre querem uma história assim. Tenho visto muitos meninos e meninas nas livrarias folheando os livros da série Goosebumps e comentando uns com os outros: “- Cara, essa história é sinistra... mó legal”. Bem, eu ainda não li nada da série. Tenho até uma edição de Como matar um monstro na nossa caixa de “próximas leituras”. Irado mesmo, sinistro pra caramba e capaz de arrepiar os cabelos de crianças, jovens e adultos é o livro de Rosa Amanda Strausz. São 11 contos com fantasmas, espíritos, vozes e barulhos misteriosos, crianças e adolescentes. O realismo fantástico impera e assusta. Dá aquele friozinho na barriga de quando o automóvel encontra uma ladeira subitamente. É um texto em que a autora usa da inteligência para conquistar o leitor. Não precisa derramar sangue. Não derrama. Abusa de finais abruptos e surpreendentes, mas antes, nos leva por cemitérios, casarões abandonados, ruas desertas e tantos outros cenários que fazem nossa imaginação tremer um pouquinho a cada linha. Mas acredite: a leitura é por demais prazerosa.
O primeiro conto já é um clássico. Chama-se Crianças à venda. Tratar aqui. Uma mãe resolve vender seus filhos para escapar da miséria em que vivem. Um a um seus filhos são vendidos. Tião, Francineide, Ronivon e Fabiojunio. Mas a filha mais velha – preterida pelos compradores - desconfia que algo muito estranho esteja acontecendo... Outro conto - Devolva minha aliança – fala sobre meninos que brincam no cemitério de uma pequena cidade. Mais sustos e surpresas. Para as meninas, o conto Dentes tão brancos deve impressionar. Nossa Júlia, de 10 anos, que adora arrancar seus dentes de leite sozinha, assim que eles começam a amolecer, ouviu essa história de amor com uma atenção... O conto que dá título ao livro já começa a intrigar pelo que mostra na belíssima capa do exemplar: uma foto do rosto de uma boneca espanhola com um olhar e um sorriso que despistam o tema. O primeiro parágrafo convida o leitor para mais um mistério: “Se não fosse pelos pesadelos que vinha tendo nos últimos dias, Clara não acreditaria na orientação recebida da tia. Mas eles não falhavam. Toda noite, uma mulher surgia no meio de seus sonhos e sussurrava: “Meus ossos.” Não conseguia ver o rosto da mulher, nem mesmo suas roupas. Só uma silhueta ameaçadora. E apavorante. Invariavelmente, acordava ensopada de suor frio”. Daí em diante, o texto conduz o leitor para mais uma história com final surpreendente.
Sete Ossos e uma Maldição é, ao meu ver, obrigatório numa biblioteca infanto-juvenil. Primeiro, porque não lembro de ter gostado tanto de contos de terror desde minhas primeiras leituras de Edgar Allan Poe. Em segundo lugar, por ele ter passado com louvor no teste da leitura
Foi numa segunda feira. Entrei na livraria procurando a última edição do João Teimoso (texto lindo demais do Luiz Raul Machado com ilustrações da Graça Lima) quando me deparei com um livro exposto na seção de lançamentos, cuja capa me chamou a atenção. Um close mostrava os pés de duas crianças que se dependuravam num muro. Sob seus pés o título em vermelho: OS DA MINHA RUA (Ondjaki, Língua Geral). Peguei o livro e fui em busca do João Teimoso. Pausa para o café e para descobrir a primeira história do livro: O vôo do Jika. Pronto, estava fisgado pelo texto saboroso do angolano Ondjaki. Angolano? Pois é, as coincidências começaram ali, na origem do autor e, consequentemente, no ambiente onde as histórias se passavam: as ruas de Luanda. Há dias que eu procurava algo para presentear uma nova amiga, Joana Abreu, que partiria em breve, de férias, para Luanda, capital de Angola, país africano. Naquele dia, trouxe Os da minha rua para minha casa.
Na terça, fazendo minha leitura diária do jornal Correio Braziliense, li ao final da matéria sobre a presença de Paulo Lins em Brasília a seguinte nota:
Ondjaki - Finalista do Prêmio Portugal Telecom e um dos maiores escritores angolanos da atualidade, Ondjaki estará hoje em Brasília para lançar, às 19h, no Café com Letras, seu mais recente livro, Os da minha rua, e autografar sua obra anterior, Bom dia, camaradas.
Faz quatro dias que minha querida sombra foi dar uma volta rápida por São Paulo. Não, não brigamos. Nem pense nisso. Está lá aprendendo mais sobre o mundo dos livros. Neste período, nenhuma outra sombra ocupou seu lugar. E eu espero ansioso seu breve retorno. Nosso amor não é tão silencioso quanto o dos personagens de Marina Colasanti. Não é essa a nossa natureza. Mas, mesmo quando o silêncio impera, nosso olhar pousa um no do outro como se fosse um beijo. E eu sinto o seu amor. Da mesma forma como sinto um estrondoso amor silencioso por amigos que não vejo há tempos. Mas é um amor que sobrevive ao silêncio. Ainda bem!!!