segunda-feira, 10 de março de 2008
domingo, 9 de março de 2008
Uma aventura no Reino das Letras
Um grande contador de histórias consegue dar vida às palavras. Na sua voz, elas têm poder. Transformam-se em cheiros, cores, texturas, formas e tantas outras coisas que encantam o ouvinte aproximando a fantasia do seu mundo real. Não é fácil contar histórias com tamanho talento. É preciso, antes de tudo, estar apaixonado pelo enredo. Conhecer algumas técnicas também ajuda, mas é necessário ter consigo a vocação. Paixão e vocação são características latentes de Mo, restaurador de livros e personagem central – ao lado de sua filha Meggie – do livro Coração de Tinta (Cornelia Funke, Cia das Letras, com ilustrações da autora).
Para quem gosta de ler, o livro é um banquete para os olhos, uma homenagem à Literatura. No início de cada um dos 59 capítulos, a autora pinça fragmentos de histórias clássicas como A Ilha do Tesouro, O Senhor dos Anéis, O Livro da Selva e O Leão, a feiticeira e o guarda-roupa. As referências literárias aparecem o tempo todo mas não prejudica a história. Muito pelo contrário. Ajudam a construir a trama e ainda servem de dica para uma próxima leitura. Quer um exemplo? A seguir transcrevo o sonho atribulado da menina:
“Lá fora o dia já começava a raiar quando ela finalmente adormeceu, mas a noite não levou consigo os sonhos ruins. No lusco-fusco da madrugada, eles cresceram ainda mais rápido, e de segundos teceram uma eternidade. Gigantes de um olho só e aranhas gigantescas invadiram os sonhos de Meggie, cães do inferno, bruxas devoradoras de crianças, todas as figuras terríveis que ela já encontrara no reino das letras. Elas rastejavam do baú que Mo construíra e abriam caminho entre as páginas de seus livros favoritos. Brotavam monstros até mesmo dos livros de figuras que Mo lhe dera quando as letras ainda não faziam sentido para ela. Com suas cores berrantes e suas cabeleiras desgrenhadas, eles dançavam, sorriam com suas bocarras e arreganhavam os dentes pontudos. Ali estava o gato de Alice, do qual ela sempre sentira medo, e os monstros de Maurice Sendak, de quem Mo gostava tanto que chegara a pendurar um pôster na oficina dele. Como seus dentes eram grandes! Dedo empoeirado ia sumir no meio deles como um pãozinho. Mas justamente quando um deles, aquele de olhos grande e esbugalhados, estendia suas garras, na noite escura surgiu uma nova figura, crepitante como uma labareda, cinzenta e se rosto, que pegou o monstro e o despedaçou como papel.”
Muita gente procura os Roedores de Livros para perguntar sobre acervo de literatura infanto-juvenil. Este livro da alemã Cornelia Funke é item obrigatório. Depois, todas as outras citações de livros podem integrar tal acervo. Faltam “apenas” alguns clássicos brasileiros de Monteiro Lobato, Lygia Bojunga e Fernanda Lopes de Almeida. Se ela tivesse lido algo dessa turma, certamente estaria no livro. Ah... mas este é apenas o primeiro livro de uma trilogia. Quem sabe o que está por vir?
quarta-feira, 5 de março de 2008
Uma casa nova para os Roedores de Livros
Desde dezembro de 2007 que nós do projeto Roedores de Livros sentimos falta do contato com as crianças da Ceilândia. Mas não é fácil manter um projeto “de verdade” somente com voluntários. Os Roedores de Livros ainda não têm sede própria. Precisamos – entre outras coisas - de um cantinho para acontecer. Este tem sido nosso "calo" desde o início.
Em 2006, o embrião do projeto aconteceu na Biblioteca Comunitária T-Bone,
Em 2007, aportamos na Ceilândia, cidade do entorno de Brasília com altos índices de violência e onde as crianças não têm acesso a tantos bens culturais. A Ong Pró Gente nos ofereceu um lugar acolhedor e escolhemos 30 crianças para o projeto. Semanalmente acompanhamos a evolução destes meninos e meninas. O apego com o livro, o desenvolvimento da leitura de cada um, o prazer em levar o livro para casa, a melhora nos relacionamentos entre eles e entre todos nós. Posso dizer que os Roedores de Livros também aprenderam muito com as crianças. No final do ano, uma notícia nos surpreendeu: a Ong informou que a sede seria vendida para uma universidade particular. Tivemos que somar a preocupação em conseguirmos outro local ao desafio seguinte do projeto: implantar uma biblioteca pública de literatura infantil, aberta de segunda a sábado,com atividades que envolvam além das crianças do projeto, outros meninos e meninas, oriundos das escolas públicas das redondezas. Quem sabe até uma parceria com os professores da rede pública de ensino. Mas esta é uma conversa para outra hora.
sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008
Cata-vento e passarinho
Neste livro, o autor nos oferece várias leituras. O texto, fala da menina Íris que conversa com árvore e adora girar cata-vento. Fala do encontro da menina com o menino Cristalino. Árvore, menina e menino são cúmplices desta história de amor. Amor de criança. O susto da descoberta, o prazer de estar junto e a hora de ficar sozinha. Sozinha? Não é bem assim. André tem exercitado sua prosa cheia de poesia que a cada livro fica mais bonita e cheia de surpresas. Numa segunda leitura, você percebe que não deu atenção ao tempo, ao vento... Vai descobrindo as sutilezas e o livro fica ainda mais bonito.
As ilustrações são primorosas. Eu tenho paixão pelas árvores de André. Ele consegue texturas incríveis trabalhando com diferentes tecidos. Seu traço, inconfundível, ganha contornos fantásticos com riquezas de detalhes. Observe as rendas que passeiam pelo livro. Imagine o cuidado para fazer a grama com picotes de papel. Tanta beleza é de arregalar os olhos. Experimente, então, ler o livro só pelas imagens. Elas também contam uma história. Os cabelos da menina estão sempre ao sabor do vento. Do meio pro fim, André nos apronta mais uma de suas peraltices. Desde o momento
Este André Neves é mesmo cheio de histórias. Carrega-as consigo quase
P.S. Nesta foto, uma noite plena de histórias na casa de outra Íris, a Borges, em novembro passado. Ana Paula, Íris, Ana Claudia Ramos, André Neves e euzinho. Tudo de bom!!!
domingo, 24 de fevereiro de 2008
Tloc e pluf...
“No sítio de Dona Benta havia vários pés, mas bastava um para que todos se regalassem até enjoar. Justamente naquela semana as jabuticabas tinham chegado “no ponto” e a menina não fazia outra coisa senão chupar jabuticabas. Volta e meia trepava à árvore, que nem uma macaquinha. Escolhia as mais bonitas, punha-as entre os dentes e tloc! E depois do tloc, uma engolidinha de caldo e pluf! – caroço fora. E tloc,pluf, -tloc, pluf, lá passava o dia inteiro na árvore.” (Reinações de Narizinho; Jabuticabas. Monteiro Lobato).
Ê vida boa!!! Tloc e Pluf pra vocês. Hatuna Matata!!!
sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008
Poesia é voar fora da asa.
Hoje eu tomei ares de passarinho. Ganhei uns anos pra trás. Virei menino e desaprendi. Inocência. Independência. Infância. Hoje eu mergulhei feito borboleta no ar. Sem medo de me afogar. Arrepio de quem escuta as cores no quebrar das ondas do mar. É que hoje, na livraria, sentado no chão feito criança, passei a tarde na companhia dos livros de Manoel de Barros. Tantos. Que tenho
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
Tão bom que fiquei chato!
Bem, depois desta revelação você deve ter torcido o nariz dizendo: - Ah, mas estas histórias o mundo inteiro já conhece!!! Pois é! E esta é a graça maior e a grande sacada de Roald Dahl. O autor reconta estas e mais quatro histórias em versos e rimas, tudo com muito ritmo, porém, fora do script que todos conhecemos. O príncipe de Cinderela tem mania de cortar cabeças e a nossa pobre heroína se casa com um vendedor de geléias. João, aquele do pé de feijão, não gostava de tomar banho e fedia como um gambá, por isso o gigante sentia o cheiro dele de longe. Em Branca de Neve, o tal espelho mágico vira um oráculo para que os anões apostem nas corridas de cavalos. E Cachinhos Dourados se transforma numa menina mimada, enxerida, ranheta, ladrona e esperta. Mas não pense que eu estraguei as surpresas do livro. Há muito com o que se surpreender.
A tradução cuidadosa de Luciano Vieira Machado mantém o humor e a sagacidade do texto original, lançado em 1982. Parceiro de Roald Dahl numa trilha de sucessos literários, assim como Roberto e Erasmo Carlos são na música, o ilustrador Quentin Blake não deixa a desejar e compõe com maestria os espaços destinados aos desenhos. Só sinto que a edição em português não tenha o cuidado gráfico da edição inglesa. Nesta, há mais ilustrações e o formato é maior. O mais intrigante é que, se a língua inglesa não for uma barreira para você e seu filho, a edição importada sai por quase o mesmo preço da nacional. Mas estas comparações não diminuem, de forma alguma, a força que este livro tem em encantar adultos e crianças.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Entre para a turma!!!
Antigamente a gente formava grupos de amigos na rua de casa. Quando o perigo começou a se avizinhar da rua, a turma passou a se formar nos prédios de apartamentos. Os que ainda moravam em casas ficavam reféns do irmão ou da irmã para formar uma turma de dois, três... Com a modernidade, também surgiram as turmas da internet. No meio de tantas mudanças, uma turma nunca sofreu abalo algum: a da escola.
Na turma do Pequeno Nicolau (René Goscinny, com ilustrações de Sempé, Martins Fontes) não foi diferente: O Agnaldo era o primeiro da classe; o Godofredo tinha pai rico; o Eudes era muito forte;o Alceu passava o dia comendo e era gordo; o Rufino era filho de um policial e o Clotário era o último da classe. O tema, universal (as aventuras da turma da escola), até que ajuda a fazer deste livro um sucesso. Publicado na França em 1960 ele ainda hoje oferece tantas delícias.
O autor, que “fala” através da voz e pensamentos do pequeno Nicolau, consegue o mais difícil e sensacional: imaginar idéias e atitudes que só poderiam sair da cabeça de uma criança. E estas crianças são “criativas” como as que tenhoNos anos
Se a rua ficar perigosa, os amigos do prédio viajarem por alguns dias e a escola entrar em férias, não se preocupe. Faça amizade com a turma do Pequeno Nicolau. Você pode levá-los para o quarto, para a sala, para a casa da tia, para onde quiser. E o que é melhor: vai fazer os adultos olharem admirados para você e soltarem a seguinte frase: - Olha como ele é inteligente!!! Aí, capriche na cara de intelectual, engula o riso e continue brincando com sua nova turma. Ler também pode ser uma brincadeira mais que divertida!!!
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
O Ano do rato!!!
Segundo o Horóscopo Chinês, ontem, 07 de fevereiro, teve início o ano do rato. O rato e os outros onze animais do zodíaco chinês, segundo a lenda, foram as únicas espécimes que se despediram de Buda antes que este deixasse a vida terrena. O roedor, que não tem na China as conotações negativas atribuídas a ele no Ocidente, foi o primeiro a se despedir de Buda, já que chegou confortavelmente até ele montado no boi (o segundo a chegar) e saltou correndo de seu lombo quando o ruminante estava chegando. Dizem que este signo carrega consigo a abundância e a prosperidade. O Tino nasceu num ano do rato (já faz algum tempo...) e, como bons roedores (de livros), esperamos que este seja um ano para comemorarmos novas conquistas no universo da leitura. Que a prometida prosperidade se transforme em mais bibliotecas, mais acesso ao livro e mais apoio a quem, de fato, trabalha com o incentivo à cultura em geral.
quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
O nome dela é BIDDY
Foi assim que você conheceu essa história? Bem... no princípio, ela não era exatamente assim. A aventura de Chapeuzinho Vermelho vem dos contos da tradição oral, destinada aos adultos dos povoados, concebidos para o entretenimento noturno. Neste contexto, A História da Avó, compilada no século XIX, falava de uma menina que sem querer, comeu a carne e bebeu o sangue da sua avó, ficou nua a pedido do lobo, mas, ao final, deixa-o a ver navios, pois usando de esperteza, foge para sua casa. Com a publicação de Contos de Outrora em 1697, livro do francês Charles Perrault, manteve-se a essência dos contos da tradição oral porém, cortando e/ou modificando alguns elementos, censurando o que poderia chocar, dando a estas historias um ar mais popular, que chegaria a um público mais abrangente. Os contos tratavam de valores morais como gentileza, paciência, obediência e respeito. Seguindo esses preceitos, há sempre um prêmio, uma recompensa. Caso contrário, há uma punição. Quem transgride as regras se expõe ao perigo. Ao final de cada história, Perrault colocava uma moral. Neste livro estão as primeiras versões em texto de A Bela Adormecida, Chapeuzinho Vermelho, Barba Azul, O Gato de Botas, As Fadas, Cinderela, Riquete do Topete e O Pequeno Polegar. Simplesmente uma das obras primas da literatura universal. No texto original de Perrault, a história de Chapeuzinho Vermelho acaba na hora em que ela é devorada pelo lobo. Ponto. Simples assim. A versão que descrevi no início deste texto data de 160 anos depois, e foi escrita pelos irmãos Grimm, adaptada do original francês.
Contos de Outrora pode ser encontrado numa edição recente da editora Landy com tradução de Renata Cordeiro e ilustrações do genial Gustave Doré. Estão lá todas aquelas maravilhosas histórias recolhidas em texto pela primeira vez. Há ainda uma introdução falando sobre os contos, a importância da obra e de seu criador.
Em
É claro que a história de Chapeuzinho Vermelho sofreu inúmeras adaptações. Autores do mundo inteiro apropriaram-se da menina e do lobo. Poderia fazer uma lista maior, mas quero me prender a três livros onde o conto ganha cores brasileiras.
É imprescindível falar de Fita Verde no Cabelo – Nova Velha Estória, conto de Guimarães Rosa, publicado originalmente no livro Ave, Palavra, mas que em 1992 ganhou uma edição própria da editora Nova Fronteira com ilustrações incríveis de Roger Mello. O projeto gráfico valoriza um cinza esverdeado – nunca preto. A menina e o lobo ganham um texto poético do escritor mineiro que conversa com a sensibilidade artística do ilustrador candango. Anjos barrocos, moinhos, o interior de Minas, “velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam”... tudo é novo para o universo tradicional de Chapeuzinho Vermelho. Guimarães Rosa exige do leitor um pouco mais de atenção. Suas frases nunca são óbvias. E isso é ótimo! Saia da mesmice e surpreenda-se com este livro.
Agora, para se ter uma idéia da força que esta história tem, não deixe de ler Nove Chapeuzinhos, livro de Flávio de Souza, publicado pela Companhia das Letrinhas em 2007. O autor já havia brincado com o conto no livro Que História é Essa (1995). Lá, confessa que Chapeuzinho Vermelho é a sua favorita, explica que ela não usa um chapéu e sim um capuz... por fim, revela o nome que Perrault deu a sua personagem mais famosa e que não consta em nossas traduções: BIDDY.
Legenda das imagens deste post:
01) Capas dos livros Contos de Outrora e de Chapeuzinho Vermelho, com detalhe de uma ilustração de George Hallensleben;
02) Capa de Chapeuzinho Vermelho versão irmãos Grimm e detalhe de ilustração de Susanne Janssen;
03) Capa do livro Chapeuzinho Vermelho e outros contos por imagem e detalhe de ilustração de Rui de Oliveira;
04) Capa do livro Fita Verde no Cabelo e detalhe de ilustração de Roger Mello;
05) Capa do livro Nove Chapeuzinhos.