sexta-feira, 6 de junho de 2008

Muita emoção pra pouca pontaria.

Eram quase 11h da manhã do último dia do 10º Salão FNLIJ do Livro para Crianças e Jovens quando encontrei O Matador (Wander Piroli, com ilustrações de Odilon Moraes, Leitura). Foi na “praça de alimentação”. Sinceramente, eu achava que nada mais me surpreenderia naquele fim de jornada, depois de oito dias em meio a tantos livros. Eu estava cansado. Dali a três horas eu embarcaria de volta para Brasília. Mas ao encontrar O Matador, senti um arrepio percorrer a espinha. Uma sensação aguda como aquele frisson de quando o carro encontra uma inclinação súbita. Foi inesquecível.

Ele estava ali, ao alcance dos olhos, mas não pôde vir para casa comigo. Só havia aquele exemplar. Eu não estava preparado para tanta emoção. Minha infância também foi marcada por uma vontade enorme de matar passarinho, assim como faziam meus primos no sítio da minha avó. Assim como faziam meus amigos da Vila Santana, no interior da Bahia. A mesma vontade d’O Matador. Não tinha nada contra as aves. Queria era ser como os outros. Pura fraqueza. Mas a minha pontaria sempre foi um fiasco.

Fui percorrendo as páginas esverdeadas do livro que parecia contar a minha história. Frases curtas, pousadas na folha como um pássaro a fugir das pedras lançadas pelas baladeiras. Odilon Maraes – guardião d’O Matador – fez as ilustrações e o projeto gráfico do livro. Seu olhar brilha ao falar do livro. Está apaixonado pelo projeto que começou a partir da indicação de Ângela Lago para que ele fosse o artista responsável por ilustrar o texto maravilhoso de Wander Piroli.

Wander quem? Não se assuste, amigo leitor, se você não lembra dele. Há mais de 20 anos que não é editado nenhum texto novo deste escritor morto em 2006 aos 75 anos. A literatura Infantil também não lembra dele. Foi esquecido por não tratar as crianças com diminutivos e fantasia barata. Odilon, premiado ilustrador e escritor, aceitou o desafio e cuidou d’O Matador com carinho. Deu um banho de sensibilidade que tornou a edição uma preciosidade. Piroli usa do real para tocar fundo no coração do leitor. Odilon brinca com as cores, ou melhor, com a quase ausência delas. É tudo um verde quase sépia cor de passado.

O texto deixa uma marca no peito da gente. Odilon parece cúmplice do autor. Deixa marcas além do suporte de papel. No conjunto, é uma literatura que fica impressa na alma. Carrego desde então a força de suas palavras pousadas a esmo na folha. No final, o menino que - como eu - não conseguia matar passarinho, surpreende. Me deixou a dúvida de que aquela não seria a minha história. Ou seria? O que posso dizer é que O Matador foi o livro que mais me emocionou em meio a tantos títulos que descobri em oito dias de Salão do Livro.

Hoje, passei na livraria para ver se o encontrava. Não havia chegado ainda. Não tenho pressa. Como diria Lygia Bojunga, “o livro espera por nós”. O Matador me espera para tomarmos outro café. Me espera para dividir comigo as suas dores. Para me oferecer suas páginas com a calma necessária para que o frisson demore um pouco mais. Me espera, enfim, para que possamos juntos voar por entre as armadilhas do dia-a-dia. Deixo aqui o meu muito obrigado tardio e sincero a Wander Piroli por me emocionar tanto. A Odilon, o meu abraço e a minha cumplicidade. Nossa pontaria sempre foi um fiasco. Hatuna Matata.

2 comentários:

Socorro Acioli disse...

Tino, ainda tem mais, não tem?
As promessas para o ano que vem, os bons livros desse ano, os novos autores, novos ilustradores, o cardápio do Salão... ainda tem muito assunto para falar!
Bjs
S.

Silvana Piroli disse...

Tino, somente hoje li seu lindo comentário sobre o livro do meu pai. Esse livro me emociona especialmente. Vou te mandar um. Para onde?