Lembro perfeitamente de quando conheci o Luís Dill pessoalmente. Foi nos corredores da Feira do Livro de Porto Alegre de 2008, numa tarde quente de sábado. André Neves nos apresentou. Ele estava ao lado da sua esposa e foi muito simpático. Parecia até incomodado com tantos adjetivos que recebeu do ilustrador pernambucano. Depois, a escritora Christina Dias se juntou ao grupo e trouxe consigo mais elogios. Eu quase me senti incomodado por não conhecer “O Cara”. Normalmente fico curioso para conhecer os autores dos livros que li e gostei. Naquele dia, a lógica foi invertida. Quis conhecer os livros daquele autor que me cativou com seu jeitão tímido.
Uma semana depois, quando voltei para casa, trouxe na bagagem Olhos Vendados (DCL, 2007) uma das indicações dos amigos para me introduzir na literatura de Luis Dill. O livro ficou descansando ao lado da cama, em meio a outros títulos até que o tempo casou com a curiosidade e abri a primeira página. Só consegui fechar o livro após a última página. E olha que ele nem ficou muito tempo assim pois Ana Paula ficou curiosa por me ver tão imerso numa leitura e também devorou suas 110 páginas num só fôlego.
O livro oferece uma trama misteriosa. Uma adolescente é sequestrada e toda a cidade se mobiliza para encontrá-la e punir seu sequestrador. A população acompanha o desenrolar dos acontecimentos através de um programa de rádio local pois o suposto vilão se comunica apenas com o radialista através de cartas. Quem é – de fato – a vítima? Porque não há pedido de resgate? Qual a real motivação do bandido? Será mesmo ele o bandido? Luís Dill quebra a estrutura normal da narrativa escrevendo sua história por meio das 20 cartas enviadas pelo sequestrador. O autor apresenta uma sociedade corrupta, onde os filhos da elite passam leves e impunes por sobre a balança da justiça. Mergulha no íntimo das motivações por que passa a mídia ao decidir divulgar ou não “a verdade”. O livro surpreende a cada capítulo e é impossível descobrir a identidade do autor das cartas até que o leitor alcance a última carta. E aí, é hora de se deixar surpreender mais uma vez. Uma grande história contada de forma magistral. Eu e Ana Paula ficamos fãs.
Não resisti e no dia seguinte mandei um email para Luís Dill:
"Pois é... A gente teve o prazer de te conhecer na Feira de POA. Aí, resolvemos trazer os Olhos Vendados para casa. Ele ficou ali, no meio de tantas outras "novidades" que vêm e que vão... até que na quarta e na quinta, eu e Ana Paula devoramos a sua cria. Maravilhoso!!! (com todas as exclamações). Ficamos curiosos por outros filhotes, mas, como sào tantos queria que você indicasse".
Foi então que ele sugeriu Todos Contra Dante (Cia das Letras), sua publicação mais recente. O livro já surpreende pelo formato incomum para títulos juvenis (22,5 comprimento x 15,5 cm de altura). Mas o autor foi muito mais além. Inspirou-se em um fato para escrever uma história sobre bullying escolar. O personagem Dante é vítima de agressões por seus “colegas”. Desde xingamentos velados e bilhetinhos ameaçadores até comunidades depreciativas na internet, chegando às vias de fato, quando o menino sofre uma agressão física que o leva ao coma. A sensação de impunidade parece rondar os agressores, adolescentes na faixa dos 13 anos. A omissão - da escola e dos pais - está presente em todo o livro. É impossível sair da leitura sem sentir pelo menos um incômodo no fundo do peito. É literatura da boa misturada com realidade. Aqui não há fantasia. Luis Dill disseca o falso moralismo e mergulha a ferida social num balde de merthiolate, com aquela fórmula antiga, que arde mas cura. Cura? Leitura recomendada a todos os jovens e também aos seus pais.
O texto, a exemplo de Olhos Vendados, foge da narrativa tradicional e aproxima o livro do universo virtual de blogs e comunidades povoados dos adolescentes. Não há um “modo de usar” explícito, mas também não me parece difícil de entender como o autor desenha seu enredo. A história acontece nas páginas ímpares, à direita do leitor. Ali, entre diálogos, confissões de Dante em seu blog e o coteúdo da comunidade Eu Sacaneio o Dante, há sempre um link que leva ao que está escrito nas páginas pares, à esquerda, contextualizando a história central: trechos de A Divina Comédia, recortes de situações passadas, as ameaças recebidas e até a citação da música Far Away, de Nickelback (um tema romântico de primeira para embalar casais adolescentes).
Gostaria ainda de ressaltar o projeto gráfico de Helen Nakao. As páginas de um azul quase cinza, as letras em tons de verdes e azuis e a diagramação “moderna”, a meu ver, aproximam ainda mais o livro do público adolescente. Na capa, ao fundo, uma sequência de dados binários nos remete sutilmente ao filme Matrix. No mínimo, uma produção ousada. Gostei. Mesmo. Muito. Um dos melhores que li em 2008.
Luis Dill consegue mais do que criar boas histórias. Olhos Vendados e Todos Contra Dante mostram toda a criatividade do autor em contá-las de um jeito incomum. Surpreende o leitor. Encanta o leitor. Conquista o leitor. Fui fisgado por seu texto. Tanto que agora vou sair para encontrar Tocata e Fuga (Bartrand Brasil, 2007). Dizem que este é voltado para o público adulto. Estou curioso para saber se Luis Dill continuará a me surpreender. Para falar a verdade, estou torcendo por isso. Hatuna Matata.
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