Depois, Ana Maria Machado enveredou pelas dificuldades das ações (???) governamentais de incentivo à leitura. Recomendou a inclusão da disciplina LITERATURA INFANTIL na formação de professores. Denunciou que a BUROCRACIA INSTITUCIONAL tem pavor da Literatura, pois não tem a menor intimidade com a matéria e prefere manter o magistério longe da Literatura como forma de permanecer no “poder”. Dissertou muito bem sobre o que chama de ELOGIO DA IGNORÂNCIA da parte dos Governos (e aí não fala só do Brasil) que se munem de discursos entusiasmados e vazios sobre incentivo à leitura.
Foi a partir daí que entrou num assunto delicado: a relação entre editoras, escolas, autores e alunos. Apresentou falhas como a troca servil entre escola e editora: “Eu levo meu autor à sua escola e vocês adotam o meu livro”. Reforçou a idéia dizendo que uma boa performance ao vivo não é sinônimo de um bom escritor, de um bom livro. Disse ainda que é salutar levar a criança a encontros com o livro como numa visita à biblioteca ou a uma feira do livro. Mas, segundo ela, NADA DISSO PRECISA DE UM AUTOR AO VIVO. Citou Freud: “o texto literário faz do jogo poético uma arte da sedução”. Citou Paul Auster, Mark Twain e Eça de Queiroz como ótimos sedutores literários. O prazer da leitura, concluiu, vem com muito trabalho e não precisa estar aliado à diversão.
Numa sala repleta de educadores, a imortal se mostrou impaciente com os professores ignorantes que nada sabem sobre literatura e pedem às crianças para escreveram cartas ao autor e aí este recebe pilhas e pilhas e pilhas e pilhas de missivas dizendo que adorou tal livro, que ama o autor e por fim, pedindo um livro autografado. Ana Maria Machado parecia estar tomada da ferrugem azul do seu personagem Raul. Desenferrujou mostrando garras de lobo. Detesta receber cartas de crianças ignorantes instruídas por professores ignorantes e que, apesar de ter uma equipe para responder a tais cartas e selecionar outras para uma possível e erudita carta-resposta do punho da própria autora, não acha que esta relação seja importante. Aí, eu enferrujei. Confesso que manchas azuis tomaram meu corpo. Decidi fuçar por aí para saber qual a relação que alguns autores com livros igualmente imperdíveis como os de Ana Maria Machado têm com as cartas que recebem das crianças. Descobri que existem sim, poucos, que detestam receber essas cartas que dizem “eu te amo”, “adoro seu livro”, “me dá um autógrafo”, etc (acham perda de tempo e sequer respondem). Mas uma maioria adora manter o contato com seus leitores, independente do grau de erudição (???). Realmente, não é obrigação de Ana Maria Machado responder cartas. Nem dar autógrafos em folhas de papel que não estejam permeadas com seus textos. Afinal, ela não é dona de fábrica de papel. Recomendamos a todos que leiam os livros de Ana Maria Machado. São ótimos. Mas – independente da sua erudição – não escreva para ela. Pode estar atrapalhando seu momento de inspiração. Ela não tem tempo para responder suas cartas. É uma imortal. Seu tempo deve ser restrito ao trabalho de escrever. E ela escreve muito bem. Ah, não esqueçam: Se encontrá-la por aí na rua só peça um autógrafo se estiver munido de um livro dela, numa edição bem cuidada. Cuidado para não dizer nenhuma besteira. Ana Maria Machado pode não gostar.
Curioso é que naquela noite, quando chegamos a casa onde estávamos hospedados, nosso anfitrião contou que, quando criança, estudando em Rondônia, ficou marcado pela visita de Ana Maria Machado à sua escola quando ela autografou o melhor livro da sua infância: Raul da Ferrugem Azul. Lembra de detalhes da visita da autora. Fala de trechos do livro. Lembra da felicidade de compartilhar aquele espaço tão interiorano quanto Itabira, com a imortal. Entristeceu com nosso relato. Desencantou.
O menino Carlos Drummond de Andrade sozinho em seu quarto numa casa em Itabira, interior de Minas Gerais, lendo à luz do lampião não tinha autor indo à escola, não tinha Feira do Livro nem outras ações de incentivo à leitura. Mas se viu encantado pelos livros. Cresceu gênio da palavra. Mas Drummond é único. Seria poeta morando na lua. Talvez, se algum autor tivesse ido a Itabira naqueles idos, ajudasse a despertar noutras crianças o prazer de ler um bom livro. Não seriam poetas. Seriam como o filho de uma espectadora daquela tarde em São Paulo que levou à mesa a seguinte história:
“Meu filho tem 11 anos. Recentemente descobri que ele escreve ótimos poemas. Dia desses ele me disse: - Mamãe, já sei o que vou ser quando crescer! Professor de matemática! Naquele instante parei pra pensar e fiz uma descoberta incrível: meu filho escreve por prazer!!!”
Ana Maria Machado escreve muito bem. Carlos Drummond de Andrade escreveu muito bem. Milhões de brasileiros escrevem mal, independente dos professores que os educam ou deseducam. O buraco é muito mais embaixo. Todos sabemos disso. Acho que o futuro professor de matemática guardaria o autógrafo da imortal na gaveta da memória. Poderia até não ajudá-lo no desenvolvimento, na sedução do seu prazer em ler. Mas, certamente, guardaria um sentimento de conquista. Um tiquinho de felicidade, mesmo sabendo que o autógrafo foi num pedaço de papel que a autora não fabricou, já que seu livro pode muito bem ter sido lido numa biblioteca. Desenferrujei e pronto!!!
5 comentários:
Gostei do seu texto, Tino.
Mas, fico um pouco tímida para comentar. Não sei se sou erudita o bastante... Mas, achei muito bom mesmo. Parabéns!
Tino, belissimo texto!
Em parte, concordo que a relacao entre editora e escola é complicadíssima. E concordo também que nao é necessario ver o autor para gostar de ler.
Mas ouvir a voz do escritor que amamos no silencio da leitura é algo MAGICO!
Monteiro Lobato, meu mestre, nao só adorava receber cartas como respondia e usava os seus leitores como personagens, fonte de inspiracao e como parceiros na construcao da sua obra.
Cada um com seu caminho...
Beijos e parabéns pelo super texto!
Socorro Acioli
direto do Castelo dos Livros!
Eu estive no Seminário Prazer em Ler. Infelizmente, não pude asistir à mesa em que estava presente Ana Maria Machado. Mas assisti Marisa Lajolo, que nos presenteou com um relato lindíssimo de um trabalho que tem desenvolvido com a correspondência de Monteiro Lobato e seus leitores mirins. A carta que ela nos levou como exemplo (resposta de Lobato a uma leitora) é lindíssima e eu fiquei imaginando qual deve ter sido o seu impacto na vida leitora daquela criança..
Olá, meninos amigos da leitura.
Sei que foi um discurso incômodo, mas tenho cá comigo que Ana Maria Machado (não por causa de sua erudição ou não) não bancaria uma polêmica destas se não fosse necessária. Eu não sei o dia-a-dia de vocês, mas o meu, de jornalista, não é suficiente para dar o veredicto de que ela foi antipática apenas. Claro que, na hora, pensei nas tardes de autógrafos de Bienais da vida, em que ela e qualquer autor, óbvio, quer mais é que muitos apareçam. Mas entendo que a escritora quis ir além: para mim, o discurso foi um apelo para que a relação escola-editora-aluno-leitura não se resuma a um culto de celebridades e de pequenos shows. Ela quer que a iniciativa de contatar ou não partam das crianças, dos leitores e, se não partir, tudo bem. O que importa é que elas leiam. Isso é o mais importante.
Concordo com o incômodo de vocês. E acho que era justamente o que ela queria: sacudir esta situação.
Muitos beijos,
Cristiane Rogerio, do blog Ler Pra Crescer
Fiquei triste devido os cometários da autora sobre seu´público..tenho uma escola que se chama Ana Maria MAchado aqui em FEIRA DE SANTANA, BAHIA..HÁ 3 ANOS...sou fã dela, mas não sabia que ela era assim..meu sonho é trazê-la para uma visita a escola
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