Bem, chega de devaneios. Em 2006, conseguimos a doação de 50 livros infantis novinhos em folha para a Biblioteca Comunitária T-Bone através da Fundação Cultural Casa Lygia Bojunga. Estreitamos os laços. Aquela primeira vontade, lá de cima, foi pesando, pesando. Numa destas noites, num restaurante tradicional carioca, encontramos Lygia e vi seus olhos marejarem ao falarmos da importância daqueles livros doados. Vivi a emoção dos olhos marejados de Lygia. Vivi uma emoção nos olhos marejados de Lygia. Ela ama o que faz.
Naquele momento, a vontade de conhecer um livro seu, inteiro, até a última página ganhou mais peso. Era quase impossível carrega-la comigo. Até então, só tinha sentido uma força estranha a me apertar no ABRAÇO. Mas aquele olhar e os braços ternos de Lygia Bojunga dissiparam meu medo. Saímos do Salão do Livro – após outros encontros e conversas com a autora – com A BOLSA AMARELA e O SOFÁ ESTAMPADO. Num sebo do Largo do Machado (indicação da Mariana Massarani) encontramos uma primeira edição da BOLSA AMARELA publicado pela AGIR, cunhado com o número 500. Decidi que este seria o primeiro livro que iria devorar assim que chegasse em casa. Dito e feito. Devorei o livro. Ah, aquela vontade obesa perdeu peso, ficou tão leve que a libertei num sopro pelos ares do cerrado.
A história da menina Raquel e suas vontades de ser menino, de crescer de uma vez e ser logo adulta e de escrever, nos emociona e conquista a cada parágrafo. Lygia escreve como se estivesse emagrecendo sua própria vontade de falar da menina que foi. Raquel passa a guardar suas vontades no interior de uma bolsa amarela desprezada pela família numa partilha de presentes deixados por uma tia. A menina faz da bolsa uma espécie de quintal à tiracolo. Esconde na bolsa, além das vontades, os nomes que ela criava, um alfinete de fralda, uns retratos, uns desenhos, umas idéias... Depois veio um galo (o Rei, que virou Afonso), um guarda-chuva e mais outro galo (o Terrível). Tudo guardado-escondido na bolsa para que ninguém mais visse ou ficasse sabendo. É emocionante a história que “Raquel” cria para justificar o sumiço do Terrível, o galo de briga, que só era assim, por que seus donos “tiraram o pensamento dele lá de dentro, costuraram ele todo com a Linha Forte, só deixaram descosturado o pedaço que pensava “tenho que brigar! Tenho que ganhar de todo o mundo!”. Lembro que o texto foi publicado originalmente em 1976. Ditadura militar. Não era fácil falar, muito menos escrever sobre pensamentos costurados. À medida que as invencionices da menina Raquel vão se resolvendo, sua bolsa fica mais leve e suas vontades ganham o mundo, libertam-se. A menina Raquel e a mulher Lygia soltaram pipas pelo ar e letras no papel. Trinta anos depois, ainda carregam consigo a vontade de escrever. Descobri que Raquel também poderia ter sido Ana Paula, Ana Cecília, outras tantas Anas.
Por fim, acho que vou comprar uma mochila amarela para a Júlia: ela tem engordado uma vontade de ser artista plástica e morar na África... Se você estiver com aquela vontade de descobrir uma história que vai descosturar seus pensamentos, este é o momento. Procure a BOLSA AMARELA (Lygia Bojunga, com ilustrações de Marie Louise Nery, Editora Casa Lygia Bojunga). Liberte-se. Quanto a mim, assim como Raquel, também estou me sentindo um bocado leve.
Ah, e quanto ao que me disse o guarda chuva citado lá no título... ele falou: Htydeeeloiiiicbxzertaaaadpolrrtt... (Agora, só encontrando o Afonso pra saber!!!)
- Obrigada Lygia. Nosso eterno e carinhoso abraço de letrinhas!!!
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