domingo, 9 de setembro de 2007

Esse coelho e essa ovelha pertencem a Júlia Bernardes

Quando Júlia tinha quatro anos ganhou um coelho de pernas longas que virou seu melhor amigo. Dormiam juntos, comiam juntos. Juntos brincavam, dormiam, amavam. Um ano depois, o coelho ganhou um nome: Dudu. Depois de batizado, o amor e o grude entre eles só aumentou. Foram incontáveis as vezes que o coelho sofreu acidentes e precisou dos meus cuidados de avó. Costurei suas pernas, bumbum, orelhas, braços... Um dia Dudu foi gravemente ferido: perdeu um dos olhos. Júlia sofreu, chorou e me pediu para guardá-lo, protegendo-o de outras avarias mais graves. Outro dia, passeando com o pai numa dessas lojas de departamentos minha princesa trouxe outra criatura para casa. Era uma ovelha. Paixão imediata. Chamou-o de Gugu. Não importa a diferença entre os espécimes. Definitivamente são parentes. O caçula foi à escola, viajou, sofreu várias avarias e, na terceira tentativa, casou-se com a porquinha Beatriz, que faltou duas vezes a cerimônia. Recentemente houve um breve desentendimento entre Dudu, Gugu e minha filha. Ela quis a companhia de um certo ursinho que falava, andava, cantava, dançava e tudo o mais. Não havia espaço para os três. Pena para os mais velhos. Sofri com o desapego. Lembrei de uma canção MARAVILHOSA do Palavra Cantada chamada Antigamente. Investi uma boa quantia para que Júlia, depois de uma semana de puro encanto, abandonasse aquele amor de verão trancado na caixa em cima da estante. Está lá até hoje. Dudu e Gugu voltaram para a cama da minha princesa. Ainda estão lá. Estou certa que vigiam o sono de Júlia todas as noites. Viajam com ela pelos planetas, florestas e continentes. Nada podem separá-los. São cúmplices.
Assim são a menina Emília e seu coelho Stanley. Amigos inseparáveis que sofrem com o assédio da poderosa Rainha e seu séqüito. Ela usa e abusa do poder real. Quer porque quer o coelho de Emília. Sente inveja do amor que vê transbordar entre os dois. Acredita que o coelho pode lhe trazer a felicidade. Exige que Emília troque-o por todos os brinquedos do mundo. A menina não cede. Nada pode comprar seu inseparável coelho de pelúcia. Não se compra um amor. Pelo menos no mundo da criança. Um dia, Sua Majestade seqüestra Stanley. A partir daí, Emília sai em busca do seu amigo e, de forma surpreendente, ensina a Rainha como conquistar um parceiro fiel para viajar no mundo da fantasia. O livro ESSE COELHO PERTENCE A EMÍLIA BROWN (Cressida Cowell, com ilustrações de Neal Layton, Martins Fontes) carrega a simplicidade de uma história encantadora para todas as idades. É uma pancada no universo capitalista em que os brinquedos são descartáveis. As crianças se identificam com a menina e seu brinquedo preferido. Todos já tivemos um. Guardamos em nosso íntimo as aventuras de pelúcia de tantos animais, as Fofoletes, os Falcons e tantos outros companheiros de infância que nos ajudaram a trilhar os caminhos da fantasia. É por resgatar a cumplicidade entre o brinquedo e a criança que este livro emociona a todos. É um sucesso aqui na toca dos Roedores. Leve pra casa você também. Quem sabe possa tornar-se seu livro de estimação. Não tenha dúvidas: você vai se apaixonar por ele.

A traça no traço de Jô Oliveira...

Foi no 7 de setembro. O Pavão Misterioso de Arievaldo Viana e Jô Oliveira ganhava os céus de Brasília. Os Roedores de Livros fomos abraçar os amigos e certificarmos o vôo certo, ligeiro, daquela máquina fabulosa feita de palavras, rimas e belíssimas ilustrações. Aí, aconteceu. Foi de uma surpresa que nos imprimiu um riso bobo na face que até agora "morde" as orelhas. Nosso querido ilustrador pernambucano brasiliense nos presenteou com o original do Roedor que fez ano passado e que hoje é estampado - em versão preta e branca - na sacola dos Roedores de Livros. Se o Pavão já valeu o dia, o roedor original, então... Mas aí, Jô conseguiu surpreender mais: apareceu com uma traça roedora de livros, de chita, voraz... Um verdadeiro Lepisma Saccharina. Mais um presente para integrar nossa futura exposição de originais que conta, além do talento de Jô Oliveira, com ilustrações de Eva Furnari, Biry, Ohi, Laura Castilhos, entre outros. Aproveitamos para agradecer a todos pelo carinho de sempre e, nesta ocasião, nosso sempre afetuoso abraço de letrinhas ao Jô. O Tino deixa o convite para um café com espuma de leite!!! Huummm!!! Hatuna Matata!!!

sábado, 8 de setembro de 2007

Formigas no bolo de aniversário da Juliana...

Queridos amigos... são tantas novidades da viagem a Sampa e ao Rio que não tenho postado sobre o principal: o Projeto Roedores de Livros na Ceilândia. No fim de semana que passamos na cidade maravilhosa, ao lado de contadores de histórias geniais e outros nem tanto (falaremos disso logo depois) o projeto acontecia sem mim e sem o Tino. Para nós, essa foi a grande notícia!!! A triste foi ficar longe da Juliana no dia do seu aniversário, mas a gente torceu muito de lá para que ela tivesse um dia ótimo e pela foto acima dá para perceber que ela tem mesmo os três anos que as velas indicam!!! Ju talvez não saiba, mas faz aniversário no mesmo dia que o professor Bartolomeu Campos de Queirós. Outra coisa bacana foi o retorno de algumas crianças que não apareciam há duas semanas... No mais, outro momento inédito e muito legal: Edna e Luciana resolveram escrever para o Blog, contando como foi o sábado, 25 de agosto. Semana passada - por motivos de força maior - e nesta semana - em virtude do feriado - o projeto não aconteceu. Voltaremos com muitos livros e novidades no próximo dia 15. E haja novidades. Bem, co vocês, Edna e Luciana. Novas Roedoras blogueiras!!! Sejam bem vindas!!!Ana/tintino,
Vejam (abaixo) que gracinha o texto da Luciana.
Eu ia escrever que no sábado, as crianças atrasaram um pouco e por isso, ficamos no alpendre da pró-gente, esperando que elas chegassem. Foi bonito ficar naquele sol, olhando pro portão e, aos poucos, e, em bandos, vermos as crianças apontarem lá na entrada. Sabíamos que eram as crianças dos roedores pela sacola. Ao longe, bem longe, as crianças felizes com suas sacolas; estavam transportando algo precioso... o livro. Maravilha perceber a felicidade de cada um, querendo contar como foi a leitura e já querendo outro livro para levar..... é como se o livro fosse uma missão que eles precisassem cumprir e cumprem de forma prazerosa.
Foram chegando, sentando, conversando..... depois entramos. Margareth ficou na recepção esperando o restante da turma chegar.... e foram chegando..... lá vem a temporada das flores, bando de pardais.

Lisianny, Luciana e Juliana roubaram a cena. Lisianny, atacou de formiga e foi um sucesso. Juliana pintou o sete porque era seu aniversário; Luciana, com suas caretas, nos fez chorar de tanto rir. Fisicamente, estava faltando vocês. Apenas fisicamente. Espiritualmente, sei que vcs estavam ali. Quanto as crianças, perguntavam por vcs a gente dizia que vcs tinham ido a um evento de contação de histórias e que na volta, teriam muitas histórias para contar.
Dia 25 de agosto, dia especial para os roedores, pois uma de suas integrantes, a Juliana comemorou o aniversário com as crianças no pró-gente, tornando o dia ainda mais festivo! Começamos o dia com a visita de uma formiguinha charmosa (Lisianny, contadora de histórias) que relatou-nos sua aventura deseperadora na neve, numa referência ao livro A formiguinha e a Neve adaptado por João de Barro.
As crianças, atentas acompanharam a contação , tentando ajudar nossa formiguinha a livrar-se do floco de neve que poderia transformá-la em "sorvete de formiga" argh!!!!! Mas tudo foi resolvido de maneira surpreendente com a chegada da primavera. Depois Juliana e Lisianny apresentaram outras histórias com seus livros multicoloridos que provocaram uma inquietante vontade nas crianças de escolherem os livros de nossa biblioteca e que levariam para ler durante a semana! Então nossa roedora responsável pelos livros, a Edna, liberou as princesas, super-heróis, bichinhos e monstros pras sacolas que cada uma levaria pra casa.
Como o dia foi festivo, o lanche não ficou fora do clima, após degustarem o delicioso pão com mortadela, a criançada cantou parabéns e comeu bolo!
Na sala de arte, entre lantejoulas, fitas, tecidos e papéis coloridos, coube a cada criança criar um marcador de página personalizado. As roedoras Vilma e Luciana não se cansaramm de comentar os surpreendentes resultados apresentados com entusiasmo e envolvimento de todos. Até os demais roedores confeccionaram seus marca-páginas. Boa idéia essa né? Pra incentivar e tornar a leitura ainda mais encantada, além de reforçar a idéia de que o hábito de ler deve fazer parte do cotidiano.

Pois é, queridos amigos... os Roedores de Livros estão por toda parte. Obrigada Luciana e Edna pela cobertura do sábado. Sintam-se convidadas a escreverem mais e mais. Beijos e abraços de letrinhas a todos. That's all, folks!!!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

O pavão misterioso renasce em Brasília...

O livro ficou pai d’égua
Igual suco de cajá
O desenho é de Brasília

E o texto do Ceará

A quadra acima foi a dedicatória que recebemos na tão esperada nova edição d’O Pavão Misterioso publicada pela editora IMEPH. Digo nova edição. Não reedição. As ilustrações maravilhosas e inconfundíveis de Jô Oliveira são as mesmas que abrilhantaram a versão publicada em 1987 que temos aqui em casa. Naquela ocasião, o pernambucano radicado em Brasília adaptou para prosa os versos de João Melquíades Ferreira e de José Camelo Rezende publicados originalmente em cordel. Desta vez, 10 anos depois, a história fabulosa de “um rapaz muito engenhoso que raptou uma princesa num pavão misterioso” ganha novo fôlego nas 58 sextilhas do cordelista cearense Arievaldo Viana. O texto ganhou uma linguagem mais atual e juvenil aproximando a história secular do universo infantil.
O lançamento em Brasília acontece nesta sexta, 07 de setembro, a partir das 19h, na Praça dos Cordelistas da 26ª Feira do Livro de Brasília, com a presença de Arievaldo Viana e Jô Oliveira. Apareçam por lá. E aproveitem para garantir seu exemplar do pavão antes que ele suma pelos ares e se torne raro.

Por fim, deixo abaixo um aperitivo da beleza deste novo e belo pavão. Clique na imagem para vê-la numa melhor resolução.

As balas de hortelã de Marina Colasanti

Depois que o professor Bartolomeu emocionou a todos, o almoço teve sabor de resfriado (parodiando Graziela Hetzel no genial A Cristaleira). Não sentia gosto de nada. Até por que depois do professor, chegaram as palavras de Marina Colasanti feito chantilly por sobre o chocolate quente numa noite de inverno. Antes da formação da mesa, encontrei Marina e não resisti, levei o Penélope Manda Lembranças para um autógrafo. Ela abriu um riso acolhedor e eu, naquele momento, poderia desfazer trezentas e sessenta e cinco quinas do meu labirinto fantástico. Ela procurou um cantinho espremido para deitar sua dedicatória e alfinetou: - Um dia os editores vão descobrir que as crianças merecem uma página de rosto. Sorri também.

Na palestra, brincou com sua origem e sua acolhida no Brasil: "Italiano é a língua da minha alma. Português é a língua da minha vida". Marina nasceu em Asmara (cidade localizada em território etíope que na época do seu nascimento era colônia italiana). Confessou que a morte prematura de sua mãe – quando Marina tinha apenas 14 anos – acelerou a intensidade da sua vida. Sempre leu muito. Foi a leitura a razão que a fez escrever. A outra coisa foi o diário. Mania de guardar segredos. Marina escreve diários – aqueles com chave e tudo mais - desde os 9 anos. Guarda-os todos em casa até hoje. “é de uma inutilidade”, ri de si mesma. Rimos juntos.
Chegou ao Brasil em 1948. Desejou ser atriz. Não deu certo. Decidiu ser artista plástica. Não conseguiu ganhar dinheiro com isso. Resolveu escrever. Deu no que deu.
Marina diz fugir dos rótulos: “Meu projeto é plural. Sou muito metida. Gosto do diferente. Prefiro o complicado. Corto grama com tesoura de unha”. Confessou ainda que precisa ser surpreendida pelo seu trabalho. E encerrou o porre de poesia com a frase: “Quero ser bala de hortelã pelo resto do dia na boca do meu leitor”.
Huummma delícia, não é mesmo? Pela foto abaixo, veja o treme-treme da minha emoção. Pois foi assim. Inté!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

O Porre de Poesia!!!

Engraçado esse lance de ser escritor. É bem diferente de ser artista de tv. A pessoa pode até conhecer a alma do autor através dos seus textos, mas sua imagem passa livre pelos corredores. Digo isso porque vi o professor Bartolomeu Campos de Queirós circular quase invisível pela sala onde ficava a livraria Martins Fontes – na minha opinião, o único equívoco daquele seminário – brincando com as palavras. Cercado do anonimato, o professor dizia ao lado das pessoas no stand: - Ler faz mal pra vista! Após a frase, olhares atônitos de professoras não entendiam o que aquele senhor pretendia ali, enfadonho, num universo de livros. Eu sorria com a brincadeira. E aguardava, desde a quarta feira o momento de ouvir as palavras doces e sérias de quem aprendi a amar à distância, em silêncio, em respeito. As palavras do professor Bartolomeu Campos de Queirós, escritas em seus livros, em emails, ou proferidas em público têm a força de um beijo paterno. Não de beijo de mãe. Mãe normalmente beija a toda hora. O beijo do pai traz a força da surpresa, do amor escondido sob a capa da seriedade. Na manhã daquela sexta, 24 de agosto, último dia de seminário, pegamos uma carona com Renata Nakano e perguntei a ela se era sua primeira vez. Era. Ouvir o professor Bartolomeu pela primeira vez requer um preparo especial. A alma, virgem daquelas palavras, pode sofrer de tamanha paixão. Por volta das 10 da manhã o encanto se fez. Luiz Raul Machado – a quem aprendi a gostar “assim”, de longe, de graça – presidia a mesa, que contava ainda com a presença da contagiante e igualmente genial Marina Colassanti. Perdoem tantos adjetivos, mas é impossível resgatar este momento na minha memória sem me mostrar apaixonado. Luiz Raul fez as honras e apresentou os dois num texto emocionado. Era visível o magnetismo naquele salão. Depois de acarinhar Bartolomeu e ao falar de Marina Colassanti, afirmar estarmos diante de um Andersen de saias, da Rainha dos contos de fadas da Língua Portuguesa, o presidente da mesa encerou dizendo: Este encontro será UM PORRE DE POESIA. E foi!!!


Bartolmeu Campos de Queirós contou da sua infância em Papagaio, interior de Minas. “Nascer é ganhar o abandono, perder o paraíso, viver por conta própria. Em troca, a vida nos oferece a capacidade de fantasiar. A fantasia atropela o passado e vislumbra o futuro que não tenho”. Aí contou uma historinha que levarei comigo embalada na saudade que guardo do meu pai: “Quando era menino sentia muita sede à noite. E lá em casa, era meu pai quem acordava para matar minha sede. Mas ele não trazia água. Ia até ao lado da cama, levantava carinhosamente minha cabeça com uma mão e com a outra fazia um gesto que imitava o copo indo em direção à minha boca. Com a voz, fazia GUT, GUT, GUT. E eu bebia a mentira dele que matava a minha sede. Meu pai sabia LER que eu não queria água: queria ELE!!!”. Quanto a sua mãe, Bartolomeu conta que “lia na vasilha de arroz doce o carinho dela”. Falando do inexplicável deixou no ar a pergunta: - Quem colocou o desejo do açúcar no coração da formiga? Confessou: - Sou movido pelo afeto. Disse mais: - Reler comprova a minha desatenção e me rejuvenesce. Sobre o ato de escrever sussurrou: - Quando eu escrevo faço carinho em mim. Mas o melhor de mim não serve pra todo mundo. A gente só fantasia o que não tem. Eu só escrevo a minha falta!
Aí o assunto enveredou pela escola: Bartolomeu afirmou: “A Escola é servil. A Arte não é. Por isso é tão difícil levar a Literatura para a escola, visto que esta quer ter o poder de medir tudo, quer transformar tudo num instrumento pedagógico. Agora quero ver a escola conseguir medir QUAL CRIANÇA É MAIS FELIZ NO RECREIO”.Ao final, aplaudido de pé por minutos, Bartolomeu Campos de Queirós foi surpreendido por um parabéns a você público, puxado por Luiz Raul. Querido Poeta, que a vida lhe seja generosa em fantasias. Ainda estamos plenos daquele porre poético! Hatuna Matata.

Novo site de Jonas Ribeiro

Boas novas!!! Nosso querido Jonas Ribeiro (na foto acima, ao lado da nossa roedora Edna Freitass) está de site novo. O visual ficou caprichado, repleto de gifs, num ambiente que respira fantasia. As informações estão atualizadas e, por fim, uma surpresa: a cada mês, Jonas entrevistará uma personalidade do livro. Para a estréia do quadro Chá das Cinco, o convidado foi André Neves. Eles se conheceram na editora Ave Maria em São Paulo quando, na ocasião, André, em início de premiada carreira, levava seu portfólio para possíveis trabalhos. Os dois são amigos desde então e sempre mostram os livros um para o outro antes do lançamento. O novo endereço é www.jonasescritor.com.br . Apareçam por lá.

Monteiro Lobato responde carta de leitora...

Depois da visita ao Museu da Língua Portuguesa, chegamos ao AMCHAM por volta das 13h30. O almoço foi completamente esquecido em prol da vontade de ouvir Regina Zilberman, Laura Sandroni e Marisa Lajolo, as mestras em Literatura daquela tarde. Confesso que o panorama histórico da nossa Literatura Infantil a partir dos anos 70 traçado por Laura Sandroni e a fala de Regina Zilberman – que em virtude do atraso de seu vôo, chegou e saiu como num “susto” – sobre o ensino médio e a formação do leitor pareceram menores diante do impacto da apresentação que Marisa Lajolo fez de uma carta-resposta de Monteiro Lobato a uma pequena leitora. A missiva apresentada ganhou aplausos já no início. É fruto da pesquisa que Lajolo desenvolve na UNICAMP, examinando cartas entre crianças e autores desde Monteiro Lobato até Pedro Bandeira. A pesquisadora afirmou que Lobato – assim como Lewis Carroll - respondia cartas de seus leitores e ia a escolas, mostrando que esta era uma prática antiga para conquistar leitores. Ela não havia presenciado a fala de Ana Maria Machado no dia anterior. Foi preciso explicar a ela o motivo de tal manifestação de apoio do público, que viu na atenção prestada por Lobato o carinho que pareceu não mais existir entre a imortal e seus fãs com pouca erudição. Marisa Lajolo e Monteiro Lobato foram aplaudidos entusiasticamente.
A pesquisadora apontou vários detalhes da carta (clique sobre a imagem acima para uma melhor visualização): desde a forma como se escrevia o ano (com três algarismos), passando pelo detalhe da data em si, mostrando que o autor, mesmo ocupadíssimo com a questão do petróleo, arranjou tempo e atenção para responder a missiva de uma criança encantada com o seu Sítio. Numa leitura mais atenta, percebe-se que Lobato entra na fantasia do seu universo. Fala da língua alemã referindo-se a um título germânico que ele havia traduzido (Barão de Munchausen) e ainda dá um pito nos editores, reclamando do atraso na publicação do novo livro. Ainda dá dicas sobre os bastidores da criação. Tudo isso – e mais – nas entrelinhas daquele datiloscrito (datilografia corrigida à mão). Uma aula de história e de respeito ao leitor. Ao final, mais aplausos. O espectro negativo que baixou na tarde anterior se dissipou por completo na carta de Lobato, nas palavras de Lajolo. Almocei deliciosos bolinhos fantasiosos de Tia Anastácia. Pausa para o cafezinho. Suspiros. That’s all, folks!

Roedores no Museu da Língua Portuguesa

Na manhã da última quinta, 23 de agosto, ainda estávamos em Sampa. A agenda do seminário apresentava naquela manhã a palavra do premiado autor espanhol Xosé Antonio Neira Cruz, o indígena Daniel Munduruku e o professor Luiz Percival Leme Brito. Deste encontro podemos dizer o que os amigos falaram: Xosé emocionou a todos falando sobre os prazeres da intimidade com o livro. Clique nos nomes para ler a cobertura oficial sobre a presença de cada um.
Desculpe aos que esperavam nossas palavras sobre esta manhã imperdível no seminário, mas havia um sonho a ser realizado: conhecer o Museu da Língua Portuguesa. Dizem que todo mulçumano deve ir à cidade de Meca pelo menos uma vez na vida. Depois da nossa visita acho que todo brasileiro deveria ter o direito (e meios para isso) de visitar o Museu da Língua Portuguesa uma vez na vida. Impossível sair de lá sem ter no peito a chama da paixão queimando de tanto orgulho e felicidade de pertencer a esta língua. Sim, pertencer. Penso em português, falo, sinto nesta língua!!!

O museu fica na Estação da Luz (se você estiver de bobeira, pode dar uma esticadinha cultural na Pinacoteca do Estado se São Paulo, que fica ao lado) e abre a partir das 10 da manhã. Eu, por ser professora, entrei de graça. O Tino, por ser músico e jornalista pagou R$ 4,00. Precinho especial para tamanho prazer (aos sábados a visitação é gratuita). Rapidamente subimos para o terceiro piso com um grupo de estudantes do interior de Minas Gerais. Num auditório com um super telão foi projetado um curta falando sobre a importância cultural da Língua para a humanidade. Depois, a parede onde o curta é projetado abre-se convidando-nos a entrar na Praça da Língua, o espaço mais emocionante. Repleto de projeções por todos os cantos (pisos, paredes, tetos) vozes conhecidas declamam os mais belos poemas. A silêncio de uma turma de 100 adolescentes é de impressionar. A escuridão da sala nos deixa mais atento as palavras. Da definição da boneca Emília (leia-se Monteiro Lobato) sobre a vida ser pisca-pisca, passando por Guimarães Rosa dizendo que “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura” até o mais emocionante: ouvir Maria Bethânia sussurrar Fernando Pessoa em nossos atentos ouvidos: “Quem não vê bem uma palavra não pode ver bem uma alma”. A produção de José Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski emociona do início ao fim. Já pagou o ingresso (incluso as passagens de avião Brasília – São Paulo, o ônibus de Guarulhos ao Itaim e tudo o mais).
Mas não pára por aí: descemos ao segundo piso. Lá, o genial Beco das Palavras (onde brincamos de criar palavras num grande, divertido e interativo jogo virtual), a Grande Galeria (projetando num imenso corredor vários filmes simultaneamente), os pilares com as línguas que deram origem ao nosso português (africanas, indígenas, espanhola, inglesa, francesa...), a linha do tempo... por falar em tempo, não adianta ir com pressa.

Devore tudo d e v a g a r.

Por fim, no primeiro piso, a exposição temporária sobre Clarice Lispector. Podemos ler as palavras da escritora no fundo dos seus olhos. Vários ambientes distintos lembram seus livros, momentos biográficos, trechos de uma entrevista televisiva e a leitura do livro A Hora da Estrela feita por transeuntes exibida em vídeo. Mas o que causa impacto é a sala das gavetas. Segundo a organização, são duas mil delas. Sessenta podem ser abertas e guardam “segredos” sobre Clarice. Correspondências, as várias identidades com datas de nascimento diversas, primeiras edições de livros e outras raridades são um prato cheio para quem tiver tempo de sobra para esmiuçar a vida da escritora. Tem até bancos à disposição dos mais exaustos. Não tínhamos tanto tempo assim. Mas o que vimos foi o suficiente para garantir forças para outra visita, quem sabe, em breve. De lá, metrô até a Paulista e táxi até o Morumbi. A língua Portuguesa nos reservava outras emoções. Vastas. Intensas. Que viagem!!!

domingo, 2 de setembro de 2007

Não escrevam para Ana Maria Machado...

A última palestra do primeiro dia do Seminário Prazer em Ler de Promoção da Leitura foi, pra dizer o mínimo, POLÊMICA!!! Quem nos falava era a imortal e premiadíssima Ana Maria Machado. A autora de livros imperdíveis e maravilhosos como Menina Bonita do Laço de Fita, Bisa Bia, Bisa Bel e Raul da Ferrugem Azul, além de traduções primorosas como a de Alice no País das Maravilhas, parece estar cansada do seu público. Munida de um texto muito bem escrito cuja temática era “alguns equívocos sobre leitura”, ela começa falando do menino Carlos Drummond de Andrade sozinho em seu quarto numa casa em Itabira, interior de Minas Gerais, lendo sob a luz do lampião. Lá não tinha autor indo à escola, não tinha Feira do Livro nem outras ações de incentivo à leitura. Mas o menino Drummond se viu encantado pelos livros e se tornou um dos maiores poetas desta terra.
Depois, Ana Maria Machado enveredou pelas dificuldades das ações (???) governamentais de incentivo à leitura. Recomendou a inclusão da disciplina LITERATURA INFANTIL na formação de professores. Denunciou que a BUROCRACIA INSTITUCIONAL tem pavor da Literatura, pois não tem a menor intimidade com a matéria e prefere manter o magistério longe da Literatura como forma de permanecer no “poder”. Dissertou muito bem sobre o que chama de ELOGIO DA IGNORÂNCIA da parte dos Governos (e aí não fala só do Brasil) que se munem de discursos entusiasmados e vazios sobre incentivo à leitura.

Foi a partir daí que entrou num assunto delicado: a relação entre editoras, escolas, autores e alunos. Apresentou falhas como a troca servil entre escola e editora: “Eu levo meu autor à sua escola e vocês adotam o meu livro”. Reforçou a idéia dizendo que uma boa performance ao vivo não é sinônimo de um bom escritor, de um bom livro. Disse ainda que é salutar levar a criança a encontros com o livro como numa visita à biblioteca ou a uma feira do livro. Mas, segundo ela, NADA DISSO PRECISA DE UM AUTOR AO VIVO. Citou Freud: “o texto literário faz do jogo poético uma arte da sedução”. Citou Paul Auster, Mark Twain e Eça de Queiroz como ótimos sedutores literários. O prazer da leitura, concluiu, vem com muito trabalho e não precisa estar aliado à diversão.

Numa sala repleta de educadores, a imortal se mostrou impaciente com os professores ignorantes que nada sabem sobre literatura e pedem às crianças para escreveram cartas ao autor e aí este recebe pilhas e pilhas e pilhas e pilhas de missivas dizendo que adorou tal livro, que ama o autor e por fim, pedindo um livro autografado. Ana Maria Machado parecia estar tomada da ferrugem azul do seu personagem Raul. Desenferrujou mostrando garras de lobo. Detesta receber cartas de crianças ignorantes instruídas por professores ignorantes e que, apesar de ter uma equipe para responder a tais cartas e selecionar outras para uma possível e erudita carta-resposta do punho da própria autora, não acha que esta relação seja importante. Aí, eu enferrujei. Confesso que manchas azuis tomaram meu corpo. Decidi fuçar por aí para saber qual a relação que alguns autores com livros igualmente imperdíveis como os de Ana Maria Machado têm com as cartas que recebem das crianças. Descobri que existem sim, poucos, que detestam receber essas cartas que dizem “eu te amo”, “adoro seu livro”, “me dá um autógrafo”, etc (acham perda de tempo e sequer respondem). Mas uma maioria adora manter o contato com seus leitores, independente do grau de erudição (???). Realmente, não é obrigação de Ana Maria Machado responder cartas. Nem dar autógrafos em folhas de papel que não estejam permeadas com seus textos. Afinal, ela não é dona de fábrica de papel. Recomendamos a todos que leiam os livros de Ana Maria Machado. São ótimos. Mas – independente da sua erudição – não escreva para ela. Pode estar atrapalhando seu momento de inspiração. Ela não tem tempo para responder suas cartas. É uma imortal. Seu tempo deve ser restrito ao trabalho de escrever. E ela escreve muito bem. Ah, não esqueçam: Se encontrá-la por aí na rua só peça um autógrafo se estiver munido de um livro dela, numa edição bem cuidada. Cuidado para não dizer nenhuma besteira. Ana Maria Machado pode não gostar.

Curioso é que naquela noite, quando chegamos a casa onde estávamos hospedados, nosso anfitrião contou que, quando criança, estudando em Rondônia, ficou marcado pela visita de Ana Maria Machado à sua escola quando ela autografou o melhor livro da sua infância: Raul da Ferrugem Azul. Lembra de detalhes da visita da autora. Fala de trechos do livro. Lembra da felicidade de compartilhar aquele espaço tão interiorano quanto Itabira, com a imortal. Entristeceu com nosso relato. Desencantou.
O menino Carlos Drummond de Andrade sozinho em seu quarto numa casa em Itabira, interior de Minas Gerais, lendo à luz do lampião não tinha autor indo à escola, não tinha Feira do Livro nem outras ações de incentivo à leitura. Mas se viu encantado pelos livros. Cresceu gênio da palavra. Mas Drummond é único. Seria poeta morando na lua. Talvez, se algum autor tivesse ido a Itabira naqueles idos, ajudasse a despertar noutras crianças o prazer de ler um bom livro. Não seriam poetas. Seriam como o filho de uma espectadora daquela tarde em São Paulo que levou à mesa a seguinte história:
Meu filho tem 11 anos. Recentemente descobri que ele escreve ótimos poemas. Dia desses ele me disse: - Mamãe, já sei o que vou ser quando crescer! Professor de matemática! Naquele instante parei pra pensar e fiz uma descoberta incrível: meu filho escreve por prazer!!!

Ana Maria Machado escreve muito bem. Carlos Drummond de Andrade escreveu muito bem. Milhões de brasileiros escrevem mal, independente dos professores que os educam ou deseducam. O buraco é muito mais embaixo. Todos sabemos disso. Acho que o futuro professor de matemática guardaria o autógrafo da imortal na gaveta da memória. Poderia até não ajudá-lo no desenvolvimento, na sedução do seu prazer em ler. Mas, certamente, guardaria um sentimento de conquista. Um tiquinho de felicidade, mesmo sabendo que o autógrafo foi num pedaço de papel que a autora não fabricou, já que seu livro pode muito bem ter sido lido numa biblioteca. Desenferrujei e pronto!!!