quinta-feira, 28 de junho de 2007

O papagaio falante que escreve em bom português...

Gostaria de começar este papo dizendo que algumas pessoas deixam saudades plantadas na gente. E aí, quero falar de um livro especial de um autor que ainda não sabe o tamanho que tem, embora eu tenha a sensação de que ele nem quer saber disso. O que é muito bom. YAGUARÊ YAMÃ (foto acima) é o escritor e ilustrador de SEHAYPÓRI – O LIVRO SAGRADO DO POVO SATERÊ-MAWÉ (Peirópolis). Indígena de origem Maraguá e Sateré, Yaguarê ficou no mesmo hotel em que nos hospedamos. Convivemos durante o Salão do Livro da FNLIJ. Seu semblante quieto, observador, desconfiado, percorria os ares do Rio de Janeiro com jeito de quem queria aprender. Depois fui saber de mais. Uma coisa deixava Yaguaré com o coração intranqüilo: seu livro ainda não havia chegado. Estava no prelo. E embora Denyse Cantuária, sua editora, tentasse tranqüilizá-lo dizendo que o livro chegaria a tempo, era fácil perceber que nem mesmo ela estava certa disso. Ah, os bastidores do Salão... Alguns, como este, são passíveis de publicação. Outros, nem tanto. Era quarta feira, dia da participação dos indígenas no seminário. Dia de Yaguarê apresentar o livro. Chamaram seu nome para compor a mesa ao lado de outros nomes importantes deste movimento de autores indígenas que a cada dia conquista novos leitores. Sentou-se à mesa. Ficou aquela impressão de que o menino do povo do guaraná sentia novamente as ferroadas da tukandera*... Cinco minutos. Denyse entra no auditório como um Encantado**. Entrega a Yaguarê o livro tão esperado. Em mãos, toda a cultura Saterê-Mawé. Denyse, sem saber, tirara a Waiperiá*** das mãos de Yaguarê. Agora, seu trabalho estava pronto para ganhar o mundo e ajuda-lo a vencer novas batalhas antigas.
SEHAYPÓRI em português significa COLEÇÃO DE MITOS. Para o povo Mawé, são os mitos e lendas gravados com grafismos no PURATIG, remo sagrado e símbolo maior da identidade cultural daquela comunidade. Desde aquela quarta feira, passa a ser também um livro onde os grafismos do Puritag tornaram-se palavras. Mitos e lendas que ultrapassam os limites da oralidade e ganham o mundo no relato de Yaguarê Yamã. Correspondem para o ocidente ao Livro do Gênesis e outras histórias presentes no Antigo Testamento. Relata a origem do mundo, criado a partir de dois planetas, filhos da COBRA GRANDE. Conta a origem dos bichos, da noite, do fogo, do guaraná. Fala ainda dos costumes daquele povo, como quando explica o ritual Waiperiá. Enfim, nos aproxima de uma realidade até então distante. De fato, conta a nossa origem quase perdida na colonização européia. Ironicamente, a Europa se mostra interessada em publicar o livro por lá.
Voltando ao que mais interessa, não pense que por ser escrito por um indígena o livro não tem qualidade literária. O texto é claro, muito bem escrito. Para completar, a editora Peirópolis investiu numa edição caprichada. Capa em relevo, projeto gráfico exuberante em preto e vermelho, com belos grafismos do autor. O leitor pode devorar o livro de uma vez (como fiz) ou escolher entre os 30 mitos, lendas e fábulas presentes no texto. Em geral, os capítulos são independentes. Adultos e crianças vão gostar de saber como os cachorros perderam a fala, descobrir os companheiros-do-fundo e outras tantas histórias. Em resumo: SEHAYPÓRI é um livro imprescindível para que possamos nos aproximar de uma cultura ainda estranha para nós. E isso, feito sem didatismo. Muito pelo contrário. Ler as histórias de SEHAYPÓRI é tão gostoso quanto brincar de peteca, tomar banho de rio ou pegar jaboticaba no pé.
Quanto àquela saudade lá de cima, foi plantada em mim por Denyse Cantuária. Naqueles dias cariocas ela foi companheira de todos os momentos. Sua atenção mais que especial com seus “protegidos” indígenas era a mesma que delegou a Nelly Novaes Coelho e a Bartolomeu Campos de Queiroz. Denyse ama o que faz. E este amor está materializado no livro de Yaguarê Yamã. Que possamos colher encontros e sorrisos desta saudade. Quanto a Yaguarê, deixo aqui nosso abraço de letrinhas. Que o povo Saterê-Maué possa viver em paz seguindo as tradições gravadas no remo sagrado. E que Tupana**** saiba recompensar os homens de bem!
* TUKANDERA – Formiga venenosa
** ENCANTADO – Seres que habitavam o Planeta Água – um dos filhos da Cobra Grande (o outro seria o Planeta Terra).
*** WAIPERIÁ – Ritual de passagem da adolescência para a idade adulta em que os participantes calçam uma luva cheia de tukanderas e são por elas picados enquanto dançam e entoam o hino sagrado.
**** TUPANA – Deus do Bem.
P.S. Quanto a expressão Papagaio Falante no título deste post, é ao mesmo tempo o significado da palavra Mawé e símbolo maior deste povo.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Sementes, duendes, cores e sabores.

Há dois sábados - num intervalo entre a oficina de arte e o lanche - pedimos aos meninos que preenchessem todo o espaço de cartolinas com giz de cera. Eles não sabiam para que servia. Não entenderam por que não era para seguir uma lógica. Demoraram a entrar no clima. Mas ao final, saíram riscando e colorindo a cartolina. A foto acima mostra como ficou uma delas.
Sábado passado, 23 de junho, recortamos as cartolinas em várias partes, cobrimos a superfície com nanquim e pedimos para as crianças desenharem com palitos e descobrirem as cores por sob o nanquim. A Vilma e o Célio supervisionaram a brincadeira. Foi muito bacana ver e ouvir a surpresa da garotada a cada traço que surgia, a cada cor que "pulava" da base preta do nanquim. A experiência valeu!!! Clicando sobre a foto abaixo você amplia a imagem e vê as nuances do desenho.
No início da manhã, recebemos a visita da Hilariana que - usando uma saia das maravilhas - contou a história de RUMPELSTILTSKIN, o duende que transformava palha em ouro, que tomou conta do salão. O silêncio da garotada impressionou a todos... Hilariana, a princesa, o rei e o duende encheram de fantasia o início da nossa manhã.
Depois que a Juliana contou histórias e o Tino cantou junto com as crianças, foi a minha hora de apresentar as mudanças no projeto. A primeira pergunta foi: - quem gostaria de vir ao projeto toda semana? A resposta está na foto abaixo. É isso: a turma fixa passa a ter um acompanhamento semanal. Estamos com novas idéias e os meninos estão em sintonia. Temos um mundo de histórias pela frente. Seguimos plantando. E assim como as cores brotaram de uma superfície negra, a cada dia a semente se transforma. Vem fruta boa por aí. Huuummmmmmmmm!!!

Em busca do estafilágrio, curei-me do Dicionário!!!

Na introdução do livro ELOGIO DA LOUCURA, de Erasmo de Roterdam, publicada na coleção Clássicos de Bolso da Ediouro, Antônio Olinto escreve: “... nenhuma convivência, nenhuma sociedade, nada, enfim, pode ser agradável e duradouro sem loucura, e que ninguém toleraria ninguém se não se untassem as coisas e os atos com um pouco do mel da loucura”. Os habitantes do reino onde imperam “O REI MALUCO E A RAINHA MAIS AINDA” (Fernanda Lopes de Almeida, com ilustrações de Luiz Maia, Ática) se lambuzaram neste mel. Os roedores de livros também. É doce, gostoso e louco, muito louco, o novo livro da autora de A FADA QUE TINHA IDÉIAS. Recomendadíssimo para pessoas normais, anormais e de outros planetas. Pessoas como Heloísa, uma criança que, na hora de dormir, recebe a visita de uma formiga. Ao perceber que a menina sofre de Dicionário (uma enfermidade cujo sintoma maior é o apego incondicional ao sentido das palavras) o inseto resolve levá-la ao castelo do Rei Maluco para curá-la desta grave doença e, quem sabe, ver um estafilágrio.

Naquele reino, repleto de personagens estranhos, o Rei trabalha como engraxate e faxineiro com a maior competência e a Rainha se mete a fazer o que não sabe, sempre com as melhores intenções e os piores resultados. As ilustrações de Luiz Maia estão coladinhas com o texto, quase nos soprando a história. Dá vontade de parar a leitura e viajar nos seus personagens e situações. Deve ter dado um trabalho danado. Mas valeu a pena cada traço. Adoçou o mel da loucura do texto. Os contos de fadas tradicionais são citados na obra de Fernanada Lopes de Almeida. Seja na criação da Torre do Sono (Bela Adormecida), ou, no final, quando se tem a idéia de que tudo não passou de um sonho (Alice no País das Maravilhas)... Passou? A autora sempre prega uma surpresa e brinca com o absurdo.

As palavras são livres dos seus significados formais. Fernanda usa e abusa da criatividade em diálogos excepcionais como quando, após uma aula desastrada da Rainha, chegam cartas dos pais das crianças informando que, depois daquelas aulas, “algumas tinham feito progressos tão grandes que haviam pulado dois ou três anos para a frente.
- Mas como os pais podem saber disso? – indagou Heloísa.
- Ora, minha menina! Pois se eles moram com as crianças na mesma casa! – respondeu o Rei.
- Então aqui basta o pai dizer que o filho passou de ano, que o filho passa?
- Claro que não! Que adianta o pai dizer?
Heloísa impacientou-se:
- Afinal de contas, quem é que diz, aqui, se uma criança passou de ano?
- A própria criança, naturalmente. Quem pode saber disso melhor que ela?

A história segue: Cheio de razões, O Rei Ajuizado tenta por a ordem nas coisas, mas isso é para as suas terras, não muito distantes. Por ali, quem manda mesmo é o Rei Maluco. E ele quer dar uma festa em homenagem a Heloísa, pois ela é uma menina que existe!!! Heloísa, que havia saído de casa só de camisola precisa encontrar um vestido para a festa e, bem... nesta busca ela encontra outros tantos personagens como o a moça do poço, o palhaço, a viúva, a princesa, as costureiras... até que acontece o baile e Heloísa finalmente volta para casa, porém, sem encontrar o tal estafilágrio! - Ou não! Como diria Caetano.

A grande pegadinha é a impressão de que estamos sempre em busca de um estafilágrio e recebemos vez em quando a visita da nossa formiga que pode nos orientar nessa jornada.

Aí, você deve estar se perguntando: - O que quer dizer esta palavra tão estranha?... Bem, pelo jeito você também sofre de Dicionário. Liberte-se nas páginas de O REI MALUCO E A RAINHA MAIS AINDA. Depois, brinque com as crianças. Dê novos significados as palavras ou crie novas palavras para as coisas. Uma boa dose de MARCELO, MARMELO, MARTELO fará bem à família!!! Uma boa lambuzada com o mel da loucura não faz mal a ninguém!!!

P.S. O precinho também é bem legal, se compararmos com outros livros infantis!!!

segunda-feira, 25 de junho de 2007

E a história fez sentido...

O inglês Charles Lutwige Dodgson gostava de brincar com as palavras. Era um craque na arte de escrever. Ficou conhecido mundialmente ao publicar o livro Alice no País das Maravilhas, em 1865 em que adotou o pseudônimo de L. C. Carrow (curiosamente, as iniciais, pronunciadas em inglês, lembram o som de Alice. Mais uma brincadeira?). Nunca fui muito fã desta história. Lembro do filme da Disney, adaptação em quadrinhos e de uma edição antiga que li mas não gostei. Achei a história muito louca. A loucura e o nonsense sempre estiveram próximos no nosso imaginário. Nonsense nos remete a algo sem sentido, louco, não é mesmo? Pois é... não é! Nonsense pode ser traduzido como “um sentido inverso, uma lógica ao contrário, vizinha do absurdo” como citaria Ana Maria Machado na introdução da sua magnífica tradução de ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (Lewis Carroll, com ilustrações de Jô Oliveira, Ática). Quando pensei que havia desistido de Alice, recebo a indicação deste livro. Fui à livraria e, muito desconfiada, comprei o danado, pois, afinal de contas, tinha as ilustrações do meu querido Jô Oliveira. E isso já me servia como motivação.
Agora, passado muito tempo daquela infância moleque, posso dizer que valeu à pena esperar por esta edição. Ana Maria Machado fez a diferença – e como!!! Ao adaptar as sacadas – que sempre ouvi dizer serem geniais – do autor inglês para o nosso bom e velho português, ela conseguiu passar a idéia do tão celebrado nonsense. Alice ficou muito mais legal. Hoje também acho que as aventuras no País das Maravlhas não seja assim um livro tão infantil. Talvez seja preciso um pouco de intimidade com as palavras para absorver os trocadilhos. Para entender a brincadeira. O Amor cego do Morcego... Os dez mil linguados que consertam roupas e botas desmilingüidos... O medo dos peixes se aventurarem sozinhos no mar sem uma enguia para guiar... “Você tenguia?”... as adaptações das canções tradicionais inglesas para as nossas tradicionais “Peixe Vivo”, “A Casa” e “Acalanto”, por exemplo. Tudo isso faz valer a TRADUÇÃO / CRIAÇÃO, assim mesmo, em caixa alta, de Ana Maria Machado. Depois de devorar esta edição, Alice fez sentido para mim. Os capítulos “A História da Falsa Tartaruga” e “A Quadrilha das Lagostas” são excepcionais. Dá vontade de reler sempre!
Para completar a parceria excepcional, Jô Oliveira pôde se entregar a um projeto do qual é fã. Em visita recente à sua casa, vimos o quanto a obra de Lewis é importante para este ilustrador pernambucano. Sua biblioteca guarda cerca de uma centena de edições diferentes de Alice no País das Maravilhas. De adaptações em quadrinhos passando pelo original da Coleção Disquinho até uma edição fac-símile do manuscrito original. Ele é apaixonado por Alice. Sua paixão está eternizada em 25 ilustrações preto e branco no miolo desta edição. Todas com seu traço inconfundível repleto de brasilidade. A mesma brasilidade que Ana Maria Machado impôs ao texto. Uma delícia.
Uma leitura que, para mim, passa a fazer sentido e me remete a tantas aventuras familiares nas férias de verão daqueles desmilingüidos tempos da infância (na foto abaixo, eu, encantada não com coelhos, mas com galinhas d'angola).

Webet... webet... webet... sapos na Fnac

No último sábado à tarde, casa cheia na Fnac... fizemos fantoches de sapo e pais e filhos estiveram mais juntos.
É incrível o poder que dragões, duendes, bruxas, sapos e outras personagens tradicionais de contos de fadas têm sobre as crianças.
Na próxima semana tem mais: sexta, 16h30, Cofrinho e sábado, 15h, fantoches!!! Esperamos vocês!!!

domingo, 24 de junho de 2007

Novos amigos dos Roedores de Livros

O Tino não acreditou muito na oficina de Bijuteria... pois foi um SUCESSO!!! Ele ficou feliz e eu mais ainda. Meninas e meninos se esbaldaram criando colares e presilhas na última sexta, 22.
O que nos anima a cada oficina é perceber que os pais estão sempre por perto e, embora ainda interfiram um pouco na criação das crianças, a maioria deixa os filhos à vontade para criar. E isso é ótimo!!!
Nestes dias em que as crianças fazem arte - no sentido literal - os Roedores de Livros ganham novos amigos e reencontramos outros já não tão novos assim. E por falar em amigos de longa data, abaixo, deixamos a foto do Kenzo, um garotão esperto que está sempre por perto. Seja sempre bem vindo!!! E que venham novos amigos, sempre!!!

Mateus, Galinhas e Saudades...

Na primeira semana deste mês, começamos uma série de oficinas para crianças que acontecem na Fnac Parkshopping (Brasília). No dia em que fizemos a galinha com copos plásticos, além das crianças, recebi a visita de uma querida amiga Margareth, confidente de todas as horas, que passou por lá para me apresentar seu lindo rebento Mateus. O papo foi rápido mas deu para diminuir a saudade.
Enquanto isso, Tino reuniu a meninada para mostrar o "segredo" do cocoricó da galinha. Não foi fácil, mas com o tempo, a turma pegou o jeito e saíram da Fnac sorridentes. Nós também!!!

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Música solidária...

Queridos amigos. Gostaria de convidar aos que estiverem em Brasília nesta quinta, 21 de junho, início do inverno em nosso hemisfério sul, para um show de MPB de primeira qualidade, quentinho, gostoso e aconchegante, com a intérprete Cássia Portugal, acompanhada dos músicos Henrique Gomes (violão) e Luis Jambeiro (percussão). Vai acontecer no Fórum de eventos da Fnac Parkshopping (em frente ao Franz Café) a partir das 19h30.
Aí vocês devem perguntar: - O que é que o show tem a ver com os Roedores de Livros?
Bem, o show é GRATUITO mas a Cássia resolveu convidar o público a colaborar com a campanha A FADA PEDIU: - DOE UM LIVRO INFANTIL em que nosso projeto, ao lado da Fnac, coleta LIVROS INFANTIS e INFANTO-JUVENIS para a formação de uma biblioteca comunitária na sede da Ong Pró-Gente na Ceilândia, onde acontece o projeto, nas manhãs de sábado.
Amigo de Cássia e solidário com a iniciativa, o Tino fará uma participação neste show tocando músicas como CINTO DE INUTILIDADES (tema do programa GLOBO COR ESPECIAL do início dos anos 70) e É TÃO LINDO (que o Balão Mágico cantava ao lado do Roberto Carlos) . No repertório de Cássia Portugal, sucessos de Paulinho da Viola, Tom Jobim, Vinícius de Moraes e Chico Buarque, entre outros. Com ou sem a sua doação, a sua presença é importante para valorizar a nossa arte. Até a noite!!!

terça-feira, 19 de junho de 2007

Um guarda chuva bem que me disse...

Desde o ano passado vinha engordando uma vontade de ler A BOLSA AMARELA. Todos falavam bem dos livros da Lygia Bojunga Nunes e eu ainda distante. Distante talvez por, num passado bem passado, não conseguir terminar O ABRAÇO, outro livro da autora. Ele chegou num momento difícil e foi muito intenso. Confesso que parei antes do fim. Quando criei os Roedores de Livros, os livros da Lygia começaram a me cercar, mas ainda não estava preparada para mergulhar em suas emoções. Fui uma menina cheia de vontades e limites. Comi meu primeiro sanduíche fora de casa aos 15 anos. Foi um acontecimento. Uma experiência inesquecível. Ainda fui a ovelha negra da família pois Ana Cecília chegou cedo para muitos. Para mim, chegou e pronto. Hoje, está aí, linda, inteligente, feliz. E eu, orgulhosa por suas conquistas. Nossas. Pedro e Julia vieram em tempos menos tempestuosos e desde então a vontade de ser feliz tem estado em forma. Tenho sido.
Bem, chega de devaneios. Em 2006, conseguimos a doação de 50 livros infantis novinhos em folha para a Biblioteca Comunitária T-Bone através da Fundação Cultural Casa Lygia Bojunga. Estreitamos os laços. Aquela primeira vontade, lá de cima, foi pesando, pesando. Numa destas noites, num restaurante tradicional carioca, encontramos Lygia e vi seus olhos marejarem ao falarmos da importância daqueles livros doados. Vivi a emoção dos olhos marejados de Lygia. Vivi uma emoção nos olhos marejados de Lygia. Ela ama o que faz.
Naquele momento, a vontade de conhecer um livro seu, inteiro, até a última página ganhou mais peso. Era quase impossível carrega-la comigo. Até então, só tinha sentido uma força estranha a me apertar no ABRAÇO. Mas aquele olhar e os braços ternos de Lygia Bojunga dissiparam meu medo. Saímos do Salão do Livro – após outros encontros e conversas com a autora – com A BOLSA AMARELA e O SOFÁ ESTAMPADO. Num sebo do Largo do Machado (indicação da Mariana Massarani) encontramos uma primeira edição da BOLSA AMARELA publicado pela AGIR, cunhado com o número 500. Decidi que este seria o primeiro livro que iria devorar assim que chegasse em casa. Dito e feito. Devorei o livro. Ah, aquela vontade obesa perdeu peso, ficou tão leve que a libertei num sopro pelos ares do cerrado.

A história da menina Raquel e suas vontades de ser menino, de crescer de uma vez e ser logo adulta e de escrever, nos emociona e conquista a cada parágrafo. Lygia escreve como se estivesse emagrecendo sua própria vontade de falar da menina que foi. Raquel passa a guardar suas vontades no interior de uma bolsa amarela desprezada pela família numa partilha de presentes deixados por uma tia. A menina faz da bolsa uma espécie de quintal à tiracolo. Esconde na bolsa, além das vontades, os nomes que ela criava, um alfinete de fralda, uns retratos, uns desenhos, umas idéias... Depois veio um galo (o Rei, que virou Afonso), um guarda-chuva e mais outro galo (o Terrível). Tudo guardado-escondido na bolsa para que ninguém mais visse ou ficasse sabendo. É emocionante a história que “Raquel” cria para justificar o sumiço do Terrível, o galo de briga, que só era assim, por que seus donos “tiraram o pensamento dele lá de dentro, costuraram ele todo com a Linha Forte, só deixaram descosturado o pedaço que pensava “tenho que brigar! Tenho que ganhar de todo o mundo!”. Lembro que o texto foi publicado originalmente em 1976. Ditadura militar. Não era fácil falar, muito menos escrever sobre pensamentos costurados. À medida que as invencionices da menina Raquel vão se resolvendo, sua bolsa fica mais leve e suas vontades ganham o mundo, libertam-se. A menina Raquel e a mulher Lygia soltaram pipas pelo ar e letras no papel. Trinta anos depois, ainda carregam consigo a vontade de escrever. Descobri que Raquel também poderia ter sido Ana Paula, Ana Cecília, outras tantas Anas.
Por fim, acho que vou comprar uma mochila amarela para a Júlia: ela tem engordado uma vontade de ser artista plástica e morar na África... Se você estiver com aquela vontade de descobrir uma história que vai descosturar seus pensamentos, este é o momento. Procure a BOLSA AMARELA (Lygia Bojunga, com ilustrações de Marie Louise Nery, Editora Casa Lygia Bojunga). Liberte-se. Quanto a mim, assim como Raquel, também estou me sentindo um bocado leve.

Ah, e quanto ao que me disse o guarda chuva citado lá no título... ele falou: Htydeeeloiiiicbxzertaaaadpolrrtt... (Agora, só encontrando o Afonso pra saber!!!)

- Obrigada Lygia. Nosso eterno e carinhoso abraço de letrinhas!!!

"Se eles são famosos... eu posso voar"

"Todo lugar tem sempre um doido"... Assim começa O Feitiço do Sapo, história da Eva Furnari, publicado pela Ática em 1995 e que a Juliana leu no último sábado quando, após algumas semanas de "férias forçadas" do projeto para que outros projetos acontecessem, tivemos seu esperado retorno à nossa casa. Pois é... dizem por aí que nos Roedores de Livros, os que não são doidos, são lelés ou, no mínimo, tantãs... Acham loucura tocar um projeto assim sem apoio oficial, sem apoio extra-oficial e até mesmo, imaginem, sem o apoio de quem nos apóia. É engraçado, não é? Doido, mesmo. Pois saibam que esta loucura é contagiosa. Se transforma em amor. Em solidariedade e - quem sabe - num menino que vai gostar de ler e levar essas histórias consigo pela estrada que sua vida seguir.
Começo este texto com a foto lá de cima onde algumas crianças acompanham a leitura da Juliana e interferem na história, contam o que acham que vai acontecer, comentam sobre as ilustrações engraçadíssimas da Eva Furnari e transformam nossas manhãs de sábado numa Terra do Nunca. Aliás, acho que esta deveria ser o nome da Sala de Leitura dos Roedores de Livros. Pronto: soltei no ar mais uma idéia louca. Será? Depois, na foto acima, as crianças compartilham do livro: olha que coisa legal!!! Você pode viajar sozinho, mas pode levar alguém de carona.
Na oficina de artes, fizemos Pião com CDs e bolinhas de gude. Mas promovemos também uma festa de cores no papel com todos desenhando.
O Tino, que este sábado estava jururu com as loucuras que a vida de um Roedor de Livros impõe, tinha acabado de compor CANTO UM CONTO, canção que ele vem cozinhando em nosso caldeirão há meses. Ficou pronta. Uma delícia!!! Vai pro disco. Disco? Que disco? Éééééé... aguardem... Os Roedores de Livros não param!!! Tudo louco!!! Bem, ele ensinou o SAI PREGUIÇA (canção coletada pelo Palavra Cantada no disco Canções do Brasil) para a garotada e foi um sucesso!!! Divertidíssimo!
Para finalizar, deixo esta imagem. É o mínimo que desejamos com toda a loucura dos Roedores de Livros. Conquistar nem que seja UM leitor. Sabemos que nossas sementes estão brotando nesta terra árida, vermelha e fina. Terra repleta de adversidades, onde florescem os ipês. Aqui, onde plantamos nossa loucura, nosso amor, também florescem leitores. Viva a Terra do Nunca!!! That´s all folks!!!

P.S. "Mas louco é quem me diz..."